Por que é importante manter a rotina? Qual o segredo para aprender de verdade?

Publicado em 26/11/2021 por Luzia Kikuchi

Tanto animais quanto seres humanos têm rotina. Seja orientado pelas mudanças do ambiente seja por programação diária. Algumas delas podem ser mais prazerosas; outras nem tanto. Mas, há uma coisa em comum: a necessidade por algo.

Para quem já acompanha este blog há algum tempo, deve ter ouvido uma menção sobre o “cérebro festeiro”.

Figura 1 – o cérebro “festeiro”.

O cérebro trabalha de uma forma bastante eficiente e o seu principal intuito é que você sobreviva. Ou seja, o que ele puder fazer para economizar o seu gasto de energia, ele fará. É por isso que quando você tenta se engajar com coisas novas com as quais não está acostumada(o), fica com aquela sensação de cansaço e até sente dores de cabeça em alguns casos.

No entanto, alguns tipos de rotina precisam ser planejadas e organizadas em etapas para que sejam executadas. Para isso, precisamos organizar e disciplinar o nosso cérebro para podermos concluir tais tarefas com êxito. Na neurociência isso é chamado de funções executivas.

Basicamente, as funções executivas são um conjunto de habilidades e capacidades que permitam executar algumas ações necessárias para atingir um determinado objetivo, segundo Cosenza e Guerra, no capítulo 7 do livro “Neurociência e Educação”. Nesse capítulo, você também encontra mais detalhes sobre as funções executivas, caso queira entender melhor sobre isso.

Dessa forma, quando se cria uma rotina para o seu dia a dia, como a forma como você organiza os seus compromissos de trabalho ou também os seus estudos, são as suas funções executivas entrando em ação. 

E se formos investigar o significado da palavra “rotina” é que ela possui, pelo menos, dois significados, segundo o dicionário Houaiss:

  1. série de instruções que devem ser seguidas para se realizar uma tarefa.
  2. caminho utilizado normalmente; itinerário habitual; rotineira;

Fonte: Dicionário Houaiss online

Ou seja, por esses dois significados, podemos chegar às seguintes conclusões: 

  1. A rotina pode ser tanto programada quanto virar um hábito, no qual você faz “sem pensar muito”. 

Então, se o seu intuito é que uma ação com o qual não tem costume passe a ser um hábito, então precisa criar uma rotina. 

  1. Para criar a rotina, é necessário programar, planejar e executá-la com dia e horário. Para isso, você tem uma parte do seu cérebro, conhecida como região pré-frontal, que é responsável pela capacidade de planejamento, tomada de decisões e análise de prioridades e riscos.

A região pré-frontal, além de ter sido uma das últimas partes da evolução do cérebro, entre os mamíferos, o ser humano é o que tem a maior dimensão. E essa vantagem se reflete no comportamento dos seres humanos comparado a outros mamíferos, como o gato, por exemplo.

Qual a diferença entre você e o seu gato?

Minha gata, Nala, tem um horário fixo para ser alimentada. Mais precisamente, 3 vezes ao dia, próxima da hora das nossas refeições. Mas, para facilitar o trabalho, temos a ajuda de um robô alimentador no qual ele solta, automaticamente, a ração na porção e horário que programamos previamente, com um aviso sonoro.

Figura 2 – Nala curtindo um sol de domingo em sua caminha.

Por isso, a Nala não precisa de nenhum planejamento para se alimentar. Basta ouvir o aviso sonoro para saber que a ração foi liberada. Vez ou outra, quando sente muita fome, tenta nos beliscar com mordidas para ver se consegue acelerar a liberação da ração (que obviamente não atendemos, para não perder o sentido da rotina do alimentador). Ou seja, sua alimentação é sob demanda: come no momento que sente fome ou quando ouve o aviso sonoro. Não há um planejamento prévio para isso. As coisas simplesmente acontecem para ela.

Por outro lado, nós humanos temos que nos planejar para nos alimentar. Primeiro, pensando o que vamos preparar. Segundo, sair para comprar os ingredientes. Terceiro, esses ingredientes precisam caber no nosso orçamento. Quarto, para poder comprar as coisas, precisamos ter o dinheiro. Quinto, se não temos o dinheiro, temos que encontrar maneiras de obtê-lo, e assim por diante. E isso é só para nos alimentar no contexto de alguém que vive na cidade, numa sociedade contemporânea.

Além da alimentação, ainda há uma série de atividades que fazemos em nosso cotidiano que exigem planejamento e pensamento a curto, médio e longo prazo para que possamos executar atividades mais complexas. E isso é graças ao desenvolvimento dessa região pré-frontal do cérebro humano. Em animais como o gato ou outros mamíferos, pode até existir um planejamento ou previsibilidade de ações, mas são mais simples e curtos em termos de prazo.

Porém, mesmo nos humanos, a região pré-frontal é desenvolvida apenas aos poucos. Normalmente, ele atinge a sua plenitude na fase adulta, de acordo com estímulos ambientais e experiências adquiridas ao longo da vida. Em alguns casos, pessoas que apresentam algum tipo de lesão nessa região pré-frontal, podem ter o comportamento alterado como a dificuldade para tomada de decisões simples do dia a dia ou até mesmo a incapacidade para avaliar riscos e os erros cometidos. Também podem ter comportamentos antissociais e inadequados para um determinado contexto social.

Mas, para não complicar demais essa história, o mais importante é que você compreenda que as funções executivas são essenciais para o planejamento de objetivos futuros. Ou seja, se você precisa estudar para uma prova ou simplesmente quer colocar um hábito de estudar todos os dias sobre alguma coisa, precisa acionar essa região pré-frontal do seu cérebro, planejando o seu dia a dia.

Mas, quanto tempo eu vou levar para começar a acostumar com essa rotina?

Isso depende de cada pessoa, infelizmente. Cada uma já vem com uma certa “programação” na sua genética que deixa mais propenso a criar certos tipos de hábitos e menos outros. Mas, o ponto é que, com disciplina e regularidade, é possível criar hábitos nos quais o cérebro está menos propenso a aceitar. Daniel Kahneman, no livro “Rápido e devagar, duas formas de pensar” chama isso de estimular o “sistema 2” do nosso cérebro, que é o pensamento mais devagar, mais consciente e menos reativo. Já o “sistema 1” é aquele mais rápido, que executa o que já estamos acostumados. É onde o “cérebro festeiro” gosta de ficar.

Então, o primeiro passo é fazer com que o seu cérebro entenda certos tipos de padrões em seu comportamento. Para isso, olhe para o seu calendário, seus compromissos que já existem e tente colocar um dia e horário fixo no qual vai se comprometer sempre a estudar. Faça sol ou faça chuva, é importante que você faça isso regularmente, até que não precise pensar mais. De início, tenha a mesma disciplina de um soldado do exército. Seu cérebro há de entender uma hora.

No vídeo que vai ao ar às 21h, explico como fazer o planejamento do seu dia a dia no papel.

Agora, se o seu problema é para se concentrar na hora dos estudos, também já dei a dica de utilizar o “método pomodoro adaptado”. Essa adaptacão que criei, é voltado para pessoas que não resistem em olhar para o celular ou se distraem com qualquer coisa no momento que estão tentando estudar.

segundo passo é encontrar o método de estudo mais adequado para as suas necessidades. Para isso, já apresentei algumas opções como o Método Cornell ou Mapas Mentais e Conceituais. Cada um deles pode ter suas vantagens e desvantagens, mas o mais importante é que você experimente e escolha aquele que acha mais viável de mantê-lo por mais tempo em sua rotina. Tudo isso sem deixar de lado a revisão espaçada dos conteúdos aprendidos. Para isso, pode usar também os flashcards ou simulados a seu favor.

terceiro passo é o equilíbrio entre estudos e descanso. Lembre-se que a capacidade de aprendizagem pode ser comprometida, se o seu cérebro não estiver descansado também. Pois é durante o sono que as informações vão sendo consolidadas. Então mantenha uma boa higiene de sono tentando dormir e acordar sempre no mesmo horário. Quanto ao número de horas, isso varia de pessoa para pessoa. Mas, o mais importante é que você encontre aquela média na qual vai se sentir mais bem disposta(o).

E qual a importância da rotina para o aprendizado?

Como já falei no post anterior sobre a curva do esquecimento, é natural esquecermos pouco a pouco algo que aprendemos há muito tempo. Então, se não tivermos a rotina para reforçar uma habilidade ou conhecimento, a nossa tendência é apagar aos poucos o que havíamos aprendido.

Obviamente, tem coisas que esquecemos menos, mesmo ficando um bom tempo sem ter contato, por conta da diferença entre memória explícita e implícita, que vou explicar em outro momento. Mas, a título de exemplo, a memória implícita seria como andar de bicicleta. Se você aprendeu uma vez, dificilmente esquece. Mesmo quando fica bastante tempo sem andar nela. É claro que você não vai andar na mesma destreza que uma atleta de BMX. Mas, a essência não se perde.

Já no caso da memória explícita, como o conhecimento factual, são informações e dados que precisamos lembrar e processar. O problema dessas lembranças é que elas são sobrescritas. Ou seja, enquanto a sua habilidade de andar de bicicleta não é esquecida por você dirigir mais carro, por exemplo, no caso dos conhecimentos factuais, quanto mais você praticar um tipo de conteúdo, mais eles ficam claros na sua lembrança, enquanto outras informações que pratica menos vão ficando cada vez menos evidentes.

Por isso, se você precisa aprender muito algo, não tem jeito: crie uma rotina para sempre estudar um pouco sobre esse assunto. E, se o problema é começar a estudar, então determine um horário e um tempo fixo do seu dia para fazer isso, até que esse hábito passe a ser parte de você. Quando passar a ser um hábito, mesmo que fique um tempo sem estudar, você saberá como retomar.

E lembre-se: quando você acumular um certo número de conhecimentos prévios, será capaz de associar e processar novas ideias de forma mais eficiente. Então comece o quanto antes para não ter que correr atrás do prejuízo desesperadamente.

E você? O que mais tem dificuldade para colocar na sua rotina? Me conte nos comentários!

Autor: Luzia Kikuchi

Uma entusiasta em neurociência, apaixonada por ensino-aprendizagem e uma eterna aprendiz de professora.

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