Publicado em 05/06/2020 por Luzia Kikuchi
O título deste post revela uma das perguntas que recebi bastante ao longo da minha carreira como professora, mas também fiquei surpresa que aquilo não se limitava apenas aos meus estudantes. Notei isso quando vi muitas pessoas perguntando isso no Quora.
No entanto, fiquei um tanto intrigada quando vi que muitos respondem a essa pergunta resumindo o aprendizado de matemática a ter “foco e determinação”. Ora, se isso fosse verdade, todas as pessoas que tiverem essas características deveriam ser brilhantes em matemática. E por que você não precisaria dessas características para estudar outras disciplinas? Não vou me estender a esse assunto “filosófico”, mas tenho algumas explicações que podem ajudar a entender por que é difícil aprender matemática para muita gente e por onde começar de fato a estudar para essa disciplina.
A última evolução do nosso cérebro
Os estudos científicos evidenciam que a diferença entre os primatas, como chimpanzés, e o cérebro humano aconteceu a partir do desenvolvimento de uma região do cérebro chamado de neocórtex. Embora o neocórtex também exista em outras espécies, além do ser humano, a principal diferença está em seu tamanho. Comparativamente, esse tamanho chega a ser o dobro de um chimpanzé.
Porém, estudos mais recentes, divulgados na revista estadunidense Science mostraram que a principal diferença entre o cérebro de um chimpanzé com o de um ser humano seria a sua neuroplasticidade*. Isso significa que, no caso dos chimpanzés, o fator genético influencia muito mais em sua “inteligência” do que nos seres humanos. Ou seja, o ser humano tem capacidade para ficar “mais inteligente” de acordo com o meio que conviver e também com novos estímulos.
*neuroplasticidade é a capacidade do cérebro em moldar-se para formar novas conexões para aprender novas funções e habilidades.
O que isso tem a ver com a Matemática?
O neocórtex é uma região do cérebro responsável por processar habilidades de abstração. Isso significa que é muito mais inato para o ser humano desenvolver habilidades mais concretas ligadas às funções orgânicas e concretas do que pensar de forma abstrata.
E se formos buscar na História da Matemática, podemos ter uma noção de quando começou o raciocínio abstrato.
No Ocidente, os primeiros registros matemáticos que se tem conhecimento são dos egípcios e babilônios, a uns 5.000 anos antes de Cristo (a.C). Um dos registros mais antigos, conhecidos como papiros de Rhindi, consistia em 85 problemas envolvendo contagem de gado e bens. Ou seja, a Matemática nasceu de uma situação prática.
Mas foram com os gregos, principalmente, com o nascimento da escola ou academia de Platão (400 a.C) é que o conceito de abstração e dedução, como é conhecida hoje na Matemática, ganhou força e começou a ser passada para as novas gerações.
Já o conceito de Álgebra, como o conhecemos hoje com símbolos e abreviações, acredita-se que nasceu com Diofanto de Alexandria, 250 anos depois de Cristo (d.C), posteriormente com as ideias do hindu Brahmagupta (628 d.C) que fez uma aproximação do número pi e, por fim, com Al-Khwarizmi (800 d.C) que introduz a sistematização dos símbolos para resolver problemas matemáticos. Inclusive o nome “Álgebra”, parece também ter nascido derivado de uma palavra em árabe (al-jabr) que significa restauração ou “completação”, segundo Boyer (2012). É a partir daí que se começou a desenvolver a representação das ideias algébricas com a utilização de símbolos, sem o uso exclusivo de palavras.
Mas, foi só no século XVI é que os símbolos de soma (+) e subtração (-) foram sistematizados por François Viéte e as letras do alfabeto para representação de incógnitas, como conhecemos hoje, por Descartes por volta de 1637.
E foi com as ideias de Descartes que Newton conseguiu desenvolver as ideias de Cálculo estudado na matemática mais avançada e as respectivas notações utilizadas hoje foram idealizadas por Leibniz no fim do século XVII.
A conclusão que eu quero chegar ao contar toda essa cronologia da História da Matemática é que, enquanto o neocórtex tem aproximadamente 25 milhões de anos, o pensamento matemático começou a “apenas” 5.000 anos atrás e sem contar que a forma abstrata, que é a parte na qual os alunos têm mais dificuldade, iniciou-se há 1.800 anos e consolidando-se como conhecemos hoje há aproximadamente 320 anos!
Perto do nosso cérebro “ancião” que tem 25 milhões de anos, isso é quase nada. Por isso, é perfeitamente plausível que seja mais fácil comer aquele doce ou aprender algo que possa ser visualizado do que tentar entender a Álgebra, por exemplo.
Sem contar que, particularmente no caso do Brasil, a obrigatoriedade do ensino básico, integral e público, passou a ser regulada com a Constituição de 1934, mas que contemplava apenas o ensino primário (correspondente ao ensino fundamental). E, pasmem! Somente em 2009, com uma Emenda Constitucional que o ensino infantil e médio passou a ser obrigatório. Por isso, não é de se impressionar porque o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) passou a ter um papel importante na vida dos estudantes que querem ingressar no ensino superior a partir de 2010, com a criação do SiSU (Sistema de Seleção Unificada). Não vou me estender mais nesta questão para não fugir do assunto principal deste post.
Porém, caro leitor ou leitora, a boa notícia é que, graças a essa neuroplasticidade do cérebro humano, se você estimular corretamente as habilidades necessárias, é possível aprender matemática. É óbvio que o tempo de aprendizagem pode variar de pessoa para pessoa, de acordo com os estímulos que você e os seus ancestrais receberam para tal habilidade. Isso significa que quanto mais contato seus ancestrais tiveram com alguma habilidade é possível que as próximas gerações venham “pré-programadas” com ela. Sem contar que o contexto sociocultural do momento em que vive também torna certos tipos de aprendizagem muito mais propícios do que em outros momentos. Mas, nada te impede de desenvolver a partir de agora e você pode aprender se quiser.
Porém, para estimular o cérebro de forma correta, eu não acredito que seja suficiente apenas ter “foco e determinação”. O ideal é estimular o cérebro de forma eficiente, e para isso, vou dar algumas dicas:
- Dica 1: estude por objetivos
- Dica 2: procure por provas anteriores
- Dica 3: não faça exercícios exaustivos por repetição
- Dica 4: não estude tudo de uma vez
A melhor forma de ter um parâmetro por onde começar a estudar matemática é criar objetivos. Isto é: você precisa aprender matemática por qual motivo? Seria para uma prova da escola, universidade, concurso público ou vestibular?
Entenda que, dependendo do seu objetivo, alguns conteúdos serão mais importantes do que outros. Por isso, você precisa começar por esse ponto de partida.
Dica 2: procure por provas anteriores
Seja para qualquer um desses objetivos anteriores que escolher, a forma mais eficiente de estudar é saber quais tipos de exercícios são mais cobrados.
Tendo acesso a essas provas (o que costuma não ser impossível hoje em dia com o Google) você pode se testar e para saber o quanto de conhecimento que tem agora sobre o assunto. Então, de acordo com o resultado, você terá uma noção por onde começar a estudar.
Agora, se você não tem nenhuma prova anterior, mas tem uma ideia do conteúdo que quer se testar, eu criei uma sala de aula virtual no Khan Academy para que você possa escolher os respectivos tópicos para praticar.
Entre pelo link: https://pt.khanacademy.org/join/TFZQK3G5 e acesse gratuitamente com o seu perfil do Google ou do Facebook. Se você quiser, pode também criar um usuário só para acessar a plataforma.
Quando você entrar na plataforma, clique em Cursos na barra lateral esquerda e você verá uma janela igual a esta:

Depois de inserir o seu ano de estudo, na próxima tela, você deverá escolher os conteúdos que quer revisar (Eu escolhi, a título de exemplo, fundamentos de matemática e pré-álgebra).



Então, na próxima tela, você deve escolher um dos cursos que escolheu e clicar no botão “Iniciar”.



Quando você iniciar o curso, haverá os tópicos na tela e, em alguns deles, terá um botão escrito “Praticar”. É aí que você vai clicar para saber se já domina aquele conteúdo. A própria plataforma da Khan Academy vai te indicar um vídeo ou uma explicação relacionada àquele conteúdo.



A grande vantagem da Khan Academy é que você consegue ver o seu progresso e ganhar “recompensas” ao atingir certos níveis. Isso é uma forma de manter-se motivado para continuar estudando (lembra do “cérebro festeiro” que comentei em um post anterior?).
Dica 3: não faça exercícios exaustivos por repetição
Assim como falei em um post anterior e também no vídeo. Não fique repetindo exercícios muito parecidos exaustivamente. O ideal é que você escolha 1 ou 2 de cada nível. O esquema ideal seria assim:
- Nível fácil: aqueles que você aplica diretamente a fórmula, sem muita elaboração.
- Nível médio: aqueles que já problematizam um pouco o conteúdo, mas que ainda é possível deduzir rapidamente a aplicação.
- Nível difícil: exercícios mais elaborados que exigem um pouco mais de criatividade para interpretar e chegar no resultado final.
Dica 4: não estude tudo de uma vez
Isso significa que você não deve estudar muitos conteúdos de uma vez só e de forma profunda. Vá fazendo aos poucos. Isso está ligado com o método pomodoro de obter pequenas recompensas para dar tempo para o seu cérebro descansar e, assim, manter a concentração por mais tempo.
E também há um estudo que diz que a melhor forma de estudar e obter bons resultados em exames é mesclar um pouco da aprendizagem mecânica com a profunda.
Tente seguir essas dicas e bons estudos!
Se você tem interesse de saber mais sobre a História da Matemática, recomendo os seguintes livros:



Título: História da Matemática
Autores: Carl Boyer e Uta C. Merzbach (Tradução de Helena Castro)
Editora: Blucher
Crédito da imagem: www.amazon.com.br



Obs.: Esta edição está esgotada na Amazon, mas talvez seja possível encontrar em outras livrarias ou até em sebos online.
Título: Introdução à História da Matemática
Autor: Howard Eves
Editora: Unicamp
Crédito da imagem: www.amazon.com.br



Título: História da Matemática: uma visão crítica, desfazendo mitos e lendas.
Autora: Tatiana Roque
Editora: Zahar
Crédito da imagem: www.amazon.com.br
Assista também ao vídeo deste assunto de forma resumida:
Prof, sua turma no Khan Academy está inativa, alguma chance de ativar ela novamente?
Oi, João Gabriel! Se for a turma do link que está neste post (https://pt.khanacademy.org/join/TFZQK3G5) você precisa clicar em “Cursos” e definir os anos e os conteúdos que você deseja treinar. Não tem uma turma pré-definida não 😊