Erros comuns que professores cometem na sala de aula

Publicado em 26/08/2022 por Luzia Kikuchi

Não. Este post não tem o intuito de ser um manual de imposição de regras e, muito menos, dizer o que o professor deve ou não fazer em aula.

O que eu pretendo abordar neste texto é problematizar algumas situações recorrentes que presenciamos em sala de aula e que não contribui significativamente para o aprendizado dos estudantes.

Antes de mais nada, quero deixar claro que eu não gosto de escrever “receitas” ou “macetes” quando se fala de ensino ou de aprendizagem. O ato de ensinar pode, sim, ser sistematizado até um certo ponto. Mas, a aprendizagem é algo individual. Da mesma forma, o ensino também precisa se adequar de acordo com o seu público-alvo e também pelo formato (presencial ou a distância). Para não deixar este texto muito confuso, vou me focar apenas às situações de ensino presencial.

Uma questão de costume

Na escola básica (em outras palavras, no Ensino Fundamental e Médio), TODOS – se não a maioria – já devem ter visto o seguinte “ritual”:

  • Professor entra na sala;
  • Faz a chamada de presença dos alunos;
  • Escreve o conteúdo na lousa e deixa um tempo para os alunos copiarem e depois começa a explicação;
  • Durante a explicação, é expressamente proibido que os alunos conversem ou interrompam as aulas com “banalidades”;
  • Ao final da aula, quando o professor permitir, é levantar-se para tirar dúvidas ou até mesmo comentar sobre algo pertinente ao conteúdo.

Imagine que você viveu, pelo menos, 10 anos da sua vida escolar repetindo este mesmo padrão. É muito difícil até mesmo questionar se existe algo de errado neste modelo de ensino, não é mesmo? Na verdade, não existe necessariamente um erro, mas, você vai entender melhor quando eu descrever um pouco sobre a realidade da aula na faculdade.

Quando você ingressa no Ensino Superior, ao menos, no contexto de uma universidade pública (que é a minha experiência), este modelo de ensino no qual você estava acostumado no ensino básico começa a não funcionar tão bem quanto era no ensino básico.

Um dos motivos é que os professores não te darão tempo para copiar a lousa. Uma segunda explicação é que o raciocínio, nem sempre, é tão organizado e linear quanto os professores da escola básica. Muita coisa que o professor explica em aula é só uma parte do que será cobrado na prova. Além disso, você deverá estudar muito mais por conta própria, com as bibliografias de referência da disciplina, para entender ao menos o essencial de cada aula.

Esta situação parece-lhe familiar? Bem, se não for, considere-se um(a) sortudo(a). Mas, se você está lendo este texto e não quiser repetir este método quando tiver a oportunidade de dar aula para alguém, vou dar algumas dicas que podem ajudar a evitar alguns tipos de erros muito comuns que professores cometem quando estão na sala de aula.

Os alunos precisam de conhecimentos prévios

Um professor sempre deve conhecer o aluno para quem está dando aula. Isso significa que ele precisa entender o contexto e quais são os conhecimentos prévios que o seu público-alvo já tem. Sem esse ponto de partida, dificilmente a aula será bem aproveitada pelos discentes.

Por exemplo, se você vai ensinar equações do primeiro grau, primeiro, o professor precisa se certificar se os alunos compreendem a noção de incógnita. Fazer alguns exemplos, algumas atividades (podem ser jogos educativos ou desafios) para que o seu aluno tenha um ponto de partida.

A título de exemplo, meus ex-alunos de graduação desenvolveram uma pesquisa muito interessante na qual aplicaram duas atividades para desenvolver justamente tais habilidades algébricas. Vocês podem conferir o artigo escrito por meio deste link.

E por que é muito importante levar em conta os conhecimentos prévios dos estudantes? Por uma razão simples: quando conhecemos muito sobre um assunto, nossa tendência é “pularmos” alguns passos essenciais.

Quer ver isso na prática? Imagine que você esteja assistindo a um vídeo no YouTube sobre um assunto que você já conhece “de olhos fechados”. Sua tendência vai ser assistir ao conteúdo em velocidade acelerada ou prefere que ele vá mais devagar? Seria mais ou menos essa analogia.

Quando o nosso cérebro já tem assuntos consolidados (ou falando na linguagem da área de cognição, quando algumas funções tornam-se implícitas), temos a tendência de não prestar muita atenção em cada passo. E isso, muitas vezes, acaba acontecendo com o professor que ensina um conteúdo que já conhece muito bem. Por isso, vai apresentando de forma muito rápida, esquecendo-se que os alunos precisam entender alguns passos importantes antes.

No vídeo eu criei duas situações antagônicas, mas que descrevem bem algumas situações de sala de aula que podem ser evitadas. O vídeo vai ao ar a partir das 21h! Inclusive, um dos exemplos, é o próximo tópico que quero abordar neste texto.

Subestimar a capacidade de pensar do aluno

Enquanto temos de um lado o exemplo do professor que passa muito rápido pelos conteúdos e “esquece” de verificar os pré-requisitos essenciais de seus alunos, existe também o outro que nivela muito por baixo a capacidade deles.

Este fenômeno didático é chamado de “Efeito Topázio” que foi descrito pelo educador matemático Guy Brousseau, que faz parte da noção de Contrato Didático*. Nesse fenômeno, o professor, na tentativa de guiar a resposta do aluno, praticamente, tira do estudante a autonomia para chegar a uma resposta, tirando-o, inclusive, o direito de errar.

*Contrato didático é uma noção introduzida por Guy Broussau, na década de 80, para especificar a relação entre professor e aluno na qual cada um dos envolvidos tem a expectativa de um determinado conjunto de comportamentos.

Quando um professor impede o erro, está retirando uma parte muito importante do processo de aprendizagem de qualquer indivíduo. Nenhum teórico matemático e, muito menos, algum cientista das ciências experimentais chegou a um resultado satisfatório sem ter errado muitas vezes. E isso não deveria ser diferente na sala de aula. O erro é parte do processo e não uma “condenação”. O que devemos valorizar é a resiliência em continuar tentando encontrar a resposta mais adequada.

No artigo que mencionei anteriormente também você pode entender um pouco sobre a análise de erros na didática da matemática.

E se você quiser compreender um pouco mais sobre o “Efeito Topázio” e o efeito do Contrato Didático e as Situações Didáticas descritas por Guy Brousseau, eu recomendo a leitura de dois livros:

Capítulo II e V do livro do professor Saddo Almouloud: Fundamentos da Didática da Matemática. Na data em que escrevo este post, o livro encontra-se indisponível pela editora. Quem sabe com muita gente procurando pelo livro, eles não resolvam reeditar uma nova edição? #ficaadica

Outro livro que recomendo é o Capítulo 4 do título “Didática da Matemática: reflexões psicopedagógicas” (PARRA e SAIZ, 1996). São discussões mais teóricas e voltadas para quem está cursando uma pós-graduação na área de Educação/Ensino de Matemática.

Título: Fundamentos da didática da matemática
Autor: Saddo Ag Almouloud
Editora: UFPR
Crédito da imagem: amazon.com.br

Título: Didática da Matemática: reflexões psicopedagógicas
Autor: Cecília Parra e Irma Saiz (org.)
Editora: Artmed
Crédito da imagem: amazon.com.br

Ainda teria muito mais exemplos para serem abordados sobre algumas práticas comuns na sala de aula que poderiam ser evitados. Mas, para não deixar muito extenso, vou deixar para uma próxima oportunidade.

E você? Com qual desses exemplos se identificou no papel de aluno ou de professor?

Publicado por

Luzia Kikuchi

Uma entusiasta em neurociência, apaixonada por ensino-aprendizagem e uma eterna aprendiz de professora.

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