Vale a pena ficar praticando muitos exercícios de matemática?

Publicado em 10/06/2022 por Luzia Kikuchi

Talvez eu seja suspeita se eu responder que “sim”. Mas, antes de você achar que isso não passa de uma resposta óbvia e egocêntrica de uma professora de Matemática que quer te induzir a entregar uma lista imensa de exercícios (rs), eu vou dizer que a minha resposta é “depende”.

Não há sombra de dúvidas de que qualquer prática ajuda a levar à perfeição. Eu já escrevi sobre isso, inclusive, em um post de meses atrás. E no vídeo daquele post, mostrei um exemplo de uma pesquisa que faz uma correlação entre horas de prática e o desempenho de violinistas estudantes e profissionais. Segundo esse estudo, os alunos com um brilhante desempenho acumulavam tantas horas de práticas quanto os profissionais.

“Mas isso não é óbvio?”

Sim e não. Na verdade, os indícios trazidos nesse estudo são importantes para mostrar que ter apenas um dom não é suficiente para ter um ótimo desempenho. São as horas acumuladas de prática. O talento pode ajudar a não se frustrar cedo naquela tarefa e continuar aprimorando ainda mais. Porém, nenhum daqueles alunos considerados excelentes violinistas tinham menos horas de prática do que aqueles com desempenho mediano.

Ou seja, de fato, a prática tem um papel relevante para o aprimoramento de uma habilidade. Mas, será que em termos de conhecimentos escolares, conteúdos mais abstratos, como na matemática, funcionam da mesma forma?

Longevidade da prática: notas boas não significam nada

Se você é daqueles estudantes que costuma estudar na véspera da prova e até consegue tirar notas altas (quem sabe até a nota máxima), saiba que isso não é garantia de que aprendeu de verdade um conteúdo.

Existem pessoas que realmente têm uma excelente capacidade de memória de curto prazo. A explicação precisa disso, até hoje, não é ainda um consenso. Mas, muito provavelmente, uma herança genética ou até mesmo a própria experiência prévia que ela possui pode influenciar o fato de ter facilidade para memorização.

Porém, algo interessante apontado pelo estudo de Bahrick e Hall (1991), pesquisadores da Universidade de Ohio Wesleyan, é que o fato de continuar aplicando conhecimentos correlatos de uma área ajuda a memorizar conceitos aprendidos há 50 anos no mesmo nível de alguém que estudou há apenas 5 anos. E aqueles que pararam completamente de ter contato com conteúdos similares, esqueceram quase tudo o que aprenderam, mesmo que tenham tirado boas notas no passado.

Portanto, mais do que tirar apenas notas boas hoje, o mais importante é continuar praticando tais conteúdos para ter proficiência em tais conhecimentos.

Aprender no abstrato ou no concreto: o que é mais importante?

Quando estamos ensinando uma criança sobre conceitos abstratos, por exemplo, como ética ou moral, recorremos ao conto de fadas. Os personagens e os acontecimentos que ocorrem dentro de uma narrativa ajudam a construir conhecimentos ainda muito incipientes na cabeça das crianças, mas, representadas por pessoas ou animais que existem no mundo real.

Da mesma forma, é plausível que sejam usados tais recursos para o ensino de conceitos matemáticos. Por isso, na pedagogia, valoriza-se tanto o lúdico e a manipulação de objetos concretos para ensinar matemática.

Contudo, a medida que ganhamos mais idade e experiência, é esperado que não fiquemos no lúdico para sempre. Da mesma forma como seria estranho continuar usando o recurso do conto de fadas para ensinar adultos, por que na matemática deveria ser diferente?

E é nesse sentido que o estudo feito pelos pesquisadores de Ohio State University, Kaminski e Sloutsky (2012), comparou o aprendizado do conceito de frações por dois grupos de estudantes: aqueles que aprenderam com exemplos no concreto e outros com exemplos abstratos. No vídeo, que vai ao ar às 21h, eu expliquei visualmente esses conceitos.

O resultado apontado por meio dessa pesquisa é que a introdução do tema pode até ser feita com exemplos concretos. Mas, se o estudante se limita a usar apenas a usar tais recursos concretos, pode ter dificuldade para generalizar conceitos para novos casos.

De forma absurda, é como se quiséssemos ensinar as crianças sempre dentro de um mesmo padrão de personagens do conto de fadas: o herói e o vilão, a princesa e o mocinho, o belo e o feio, etc. Sabemos que para alguns conceitos, este padrão pode até funcionar. Entretanto, na vida real, ocorrem muito mais variações de personagens que podem não se limitar apenas a essa relação binária. Por isso, limitar conceitos de ética e moralidade apenas dentro desse “molde”, é infantilizar toda relação humana, que é muito mais complexa do que um conto de fadas.

Na matemática, acontece algo similar: se você sempre quer usar carrinhos, flores, botões para explicar QUALQUER conceito matemático, chegará um momento em que a generalização desses conceitos tornam-se limitadas.

Obviamente, não quero dizer que devemos inserir equações com incógnitas e variáveis, conceitos abstratos próprios da natureza matemática sem uma contextualização inicial para as crianças. No entanto, é necessário transitar aos poucos, do concreto para o abstrato, para que possam ter a capacidade de desenvolver tais competências gradativamente.

Em outro post no futuro, posso me focar a falar sobre aprendizagem de conceitos algébricos no ensino básico.

Ainda tem dúvidas do porquê de continuar aprendendo matemática? Me deixe aqui nos comentários suas dúvidas, angústias ou até mesmo críticas para refutar tudo que eu escrevi por aqui! 😊

Publicado por

Luzia Kikuchi

Uma entusiasta em neurociência, apaixonada por ensino-aprendizagem e uma eterna aprendiz de professora.

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