Como aprender idiomas de forma eficaz?

Publicado em 19/03/2021 por Luzia Kikuchi

Para você que já acompanha este blog há algum tempo, deve estar se perguntando: “Ué? Mas, por que a Luzia vai falar sobre idiomas, se ela sempre fala sobre Matemática?”.

De fato, minha formação principal é em Matemática, mais especificamente em Educação Matemática. Porém, quando eu iniciei a minha carreira de professora em meados de 2001, comecei lecionando inglês para crianças e adolescentes, em uma pequena escola de idiomas na cidade de Guarulhos em São Paulo.

Graças a essa experiência, tive a oportunidade de lecionar aulas de inglês para estudantes e funcionários da USP, pela Empresa Júnior do Instituto de Matemática e Estatística daquela instituição, enquanto estava concluindo a minha graduação em Licenciatura em Matemática. Essa foi uma das minhas principais atuações profissionais até pouco tempo depois de formada. É uma história bastante curiosa de minha carreira, mas não vou me prolongar muito sobre esse assunto neste post, para não fugir do assunto.

Uma coisa que notei quando lecionei inglês para adultos é a grande dificuldade em adquirir fluência no idioma. Muitos deles dominam a gramática e a escrita com facilidade, mas têm muita dificuldade na expressão oral comparados, principalmente, com as crianças.

E na época em que lecionava inglês, eu ainda não havia iniciado meus estudos em Educação na pós-graduação. Portanto, conhecia poucos estudos a respeito da aprendizagem em geral e muito menos na área de idiomas. Mas, a prática adquirida lecionando-se por muitos anos, além de alguns cursos de aperfeiçoamento, permitiu-me o desenvolvimento de algumas técnicas para adquirir fluência. Na minha experiência pessoal, funcionou bastante e, felizmente, muitos dos meus alunos também obtiveram sucesso em suas respectivas carreiras seguindo algumas dessas dicas.

Porém, foi só recentemente que tive a curiosidade de pesquisar a respeito da eficácia das técnicas que ensinei para muitos de meus alunos. E, para minha grata surpresa, de fato, existem alguns estudos cognitivos que observaram a eficácia de algumas dessas técnicas que adotei no passado.

Veja então as quatro revelações interessantes da ciência para aprender um segundo idioma com mais facilidade.

  1. Quanto mais nos apoiamos na estrutura de um idioma materno, mais ele pode atrapalhar a aprendizagem de um segundo idioma

Essa foi a constatação observada no estudo feito por Finn e colaboradores (2014) no qual se conduziu uma pesquisa com dois grupos de adultos que tentavam aprender um segundo idioma, artificialmente criado pelos cientistas. O primeiro grupo focou em aprender a estrutura técnica do idioma, como a gramática, e o segundo grupo aprendeu de forma passiva, ou seja, semelhante a uma criança aprendendo a falar pela primeira vez.

Qual dos dois grupos você acha que se deu melhor? A resposta é o grupo que aprendeu passivamente.  

Essa revelação denota o seguinte: se esforçar para aprender as estruturas técnicas ANTES de “vivenciar” o idioma, pode atrapalhar na sua aprendizagem.

Esta foi uma das principais dicas que sempre dei aos meus alunos: “como as crianças aprendem a se comunicar?”. Por imitação. Ou seja, ela passa tempo suficiente ouvindo aquele idioma do ambiente e aprende aos poucos a utilizar expressões simples para realizar uma comunicação bem-sucedida. Aos poucos, o vocabulário também se torna mais sofisticado, conforme a aprendizagem. Além disso, vivenciar o idioma permite compreender estruturas sutis da linguagem que dificilmente são dominadas lendo-se apenas as instruções de um livro de gramática, por exemplo. E isso nos conduz para a segunda constatação.

  1. Ouvir o idioma que se quer aprender ajuda o seu cérebro a se adaptar a compreendê-lo

Ou seja, quanto mais você ouve o idioma que quer aprender, mesmo que não entenda nada, mais o seu cérebro se acostumará a identificar esses sons.

Em um estudo feito por pesquisadores finlandeses e chineses, publicado em 2019 na revista Neuroimage, constatou-se que a estrutura do cérebro é capaz de ser modificada apenas pela exposição passiva aos sons de um idioma. Ou seja, é possível que você ainda tenha dificuldades de atribuir um significado para cada palavra. Contudo, seu cérebro já está se adaptando para decodificar esses sons.

Uma coisa que eu costumava fazer, enquanto estava aprendendo um novo idioma, é consumir a maior quantidade de áudio possível nessa língua, enquanto realizava algumas tarefas rotineiras como lavar a louça ou roupa e durante as longas viagens de ônibus. Fazia isso como forma de compreender diferentes sotaques. Hoje sei que o benefício pode ser maior do que imaginava.

  1. Existem alguns horários mais favoráveis para aprendizagem de idiomas, MAS é preciso saber controlar

Você é uma pessoa noturna ou diurna? Tem um post aqui no blog que já falei a respeito disso, mas parece que essa diferença na performance em certos tipos de aprendizagem varia conforme envelhecemos.

Por exemplo, segundo um estudo publicado pela APA (American Psychology Association) em 2014, na revista sobre Psicologia e Envelhecimento, existe um horário que é mais propício para aprendizagem de idiomas para os jovens de 16 a 17 anos que é por volta das 15h. No caso dos adultos acima de 60 anos, o melhor horário parece ser por volta das 8h30 às 10h30 da manhã. Isso se deve às diferentes capacidades de manter a atenção em uma atividade durante o dia, que variam conforme o horário e a idade de cada pessoa.

Além disso, um estudo conduzido em 2012, por pesquisadores da área de linguagem, constatou algo curioso: estudantes que fizeram uma pausa de 3 a 6 meses, no aprendizado de um segundo idioma, tiveram um desempenho melhor do que aqueles que continuaram estudando constantemente. Inclusive, segundo os exames de imagem, que monitora o processamento da atividade cerebral, as imagens do cérebro do primeiro grupo mostraram-se similar ao de um falante nativo do idioma.

No entanto, os pesquisadores fazem uma ressalva de que tais estudantes já precisam ter um certo nível de familiaridade com o segundo idioma. E a hipótese que provavelmente explica o fato desses estudantes não “perderem” o aprendizado, mesmo depois de um longo tempo sem exposição ao segundo idioma, seria o próprio processo de consolidação da memória. Ou seja, reforçar um conhecimento que ficou um tempo sem ser estudado pode ajudar na memorização de longo prazo.

Curiosidade: Esse último estudo foi conduzido nos Estados Unidos, mas conta com a participação de uma pesquisadora brasileira, Ingrid Finger, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

  1. O álcool pode ajudar a desinibir os mais ansiosos

Já é popularmente conhecido que o álcool deixa as pessoas mais “soltas”. Mas, será que esse pode ser o segredo para aprender a falar melhor um segundo idioma?

Antes de você já correr para o supermercado em busca da sua “cachaça”, leia até o fim esse post rs

Segundo um estudo publicado na Journal of Psychopharmacology (Revista de Psicofarmacologia) em 2017, uma pequena dose de álcool pode ajudar a desinibir os mais tímidos e ansiosos, principalmente, no quesito de treinar a fluência de um idioma. Para se ter uma ideia, essa dose de álcool testada foi equivalente a uma latinha e meia de cerveja (aproximadamente 500 mL) em um adulto do sexo masculino de aproximadamente 70 kg.

Porém, esse estudo tem algumas limitações.

Uma delas é o fato da relação entre o idioma materno e o novo dos participantes (falantes da língua alemã aprendendo holandês). Além disso, a dose de álcool pode variar conforme o organismo de cada indivíduo. Por exemplo, pessoas que não estão acostumadas a beber podem ter reações diferentes, mesmo com pequenas doses de álcool. Por fim, a percepção da performance dos participantes do estudo foi feita de forma qualitativa, sem um cuidado de ter um acompanhamento de um especialista na área de linguagem. Em um estudo futuro, seria necessário separar cada uma dessas limitações para realmente comprovar a eficácia das pequenas doses de álcool como ferramenta para melhorar a performance na fluência de um segundo idioma.

Contudo, uma pequena dose de álcool parece dar uma “ajudinha” para os mais ansiosos…

Deixe nos comentários, qual o segundo idioma que você está tentando aprender e se já testou alguma dessas dicas citadas neste post.

No vídeo, mostrei uma pequena encenação de como fazer um pedido no McDonald’s quando você não sabe falar inglês… (o vídeo estará disponível a partir das 21h).

Publicado por

Luzia Kikuchi

Uma entusiasta em neurociência, apaixonada por ensino-aprendizagem e uma eterna aprendiz de professora.

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