Como os sonhos podem ajudar na aprendizagem?

Publicado em 13/11/2020 por Luzia Kikuchi

Existem diversos relatos de pessoas, e até de cientistas, que supostamente encontraram a solução de um problema por meio de um sonho. Na ciência, por exemplo, há diversas citações famosas como o caso de Mendeleev, que idealizou a tabela periódica durante um sonho ou mesmo o de Kekulé que teve um sonho com cobras que “mordiam” o próprio rabo e tal formato deu a ele a ideia da estrutura do benzeno. Porém, pouco se sabe se os respectivos autores realmente tiveram as ideias pela primeira vez em um sonho. 

Segundo um artigo escrito por George W. Baylor para a revista Dreaming, publicado em junho de 2001, o autor menciona que tais equívocos podem ser cometidos pelo fato de não se consultar o material original. Um exemplo disso é quando se tiram algumas conclusões de um primeiro autor por citação de um segundo autor e o “equívoco” é propagado sucessivamente por autores seguintes que não tiveram acesso ao trabalho original. Em outro artigo escrito em 1975 por Byron Vanderbilt também corrobora que, no caso da descoberta de Kekulé, pode ter sido ocasionada por uma má colocação do próprio cientista em uma palestra sobre a sua descoberta, dando a entender que a inspiração tenha vindo de um sonho, sendo que seus achados são anteriores a ele.

No entanto, em relação à descoberta de Mendeleev, há uma nota de esclarecimento da professora Deirdre Barret, da Universidade de Harvard, dizendo que os seus achados têm suporte em documentos originais e que em nenhum momento quis implicar que os cientistas não haviam debruçado tempo suficiente antes de ter suas ideias em um sonho. No caso de Mendeleev, especificamente, a autora menciona que, embora o cientista já tenha feito várias versões da tabela periódica anteriormente, a versão preferida dele foi idealizada depois de um sonho. A pesquisadora menciona que há várias evidências de que sonhar com soluções geralmente acontece quando a pessoa está estagnada em um passo específico dentro de um processo com muitas fases. Essas conclusões foram feitas por meio de entrevistas com cientistas e inventores contemporâneos e por meio de pesquisas em documentos históricos.

Ao pesquisar estudos mais recentes sobre a influência dos sonhos na performance cognitiva, ainda se sabe muito pouco sobre esse assunto. Principalmente, se o conteúdo do sonho em si pode colaborar para resolver problemas no mundo real. Em 2009, por exemplo, uma dissertação de mestrado defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) por André Luis Hernandez Pantoja* fez um estudo para investigar a relação existente entre o conteúdo de um sonho e a aprendizagem de uma tarefa cognitivamente complexa. Nessa pesquisa, o autor verificou a performance dos jogadores de um jogo de computador antes e após o sono com sonho e sem sonho. 

* Deixei o link original para o acesso à dissertação, porém, curiosamente, o documento está com as páginas incompletas. Tentei encontrar uma forma de entrar em contato com o autor ou com a instituição para reportar o fato e conseguir acesso ao arquivo completo, mas infelizmente não o encontrei a tempo desta postagem. Encontrei em seu lugar, um trabalho apresentado em 2012, no 5º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia (ISSN 2176-1248) por Alexandre Valença Teixeira e Rogério Mandelli, na época, estudantes de mestrado e doutorado, respectivamente, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), menciona que os resultados encontrados na dissertação de André Pantoja sugere que os jogadores que sonharam tiveram uma performance melhor posteriormente do que aqueles que não sonharam. Tal resultado sugere que o sonho tem alguma influência na consolidação de certos tipos de habilidades cognitivas.

Outros estudos mais recentes como o de Stuart M. Fogel e colaboradores além de Picard-Deland e colaboradores, respectivamente de 2018 e 2019, ambos do Canadá, mostraram algumas evidências de que os sonhos podem ajudar a melhorar a performance de certos tipos de habilidades, especialmente aquelas consideradas como memórias processuais, que são os tipos de habilidades utilizadas para exercer tarefas mecânicas ou rotineiras no nosso dia a dia como andar, dirigir, manipular certos tipos de objetos, etc. Além disso, esses estudos corroboram com resultados anteriores apresentados por pesquisadores da Escola de Medicina de Harvard como de Stickgold e colaboradores que apresentaram evidências na revista Science, em 2001, de que durante o sono REM, ou estado de sono mais profundo, ocorre a consolidação de certos tipos de aprendizagem como a verbal e lógica, principalmente, após uma sessão intensa de estudo. 

Já a pesquisadora Sara Mednick* apresentou em 2003, em conjunto com outros pesquisadores, na revista Nature, um estudo comparativo de sujeitos que fizeram um sono rápido de 60 e 90 minutos durante o dia e tiveram benefícios similares ao sono habitual de 8 horas, que é uma média de horas recomendada para uma boa noite de sono, principalmente, após uma sessão intensa de aprendizagem, com o intuito de recuperar a fadiga cognitiva causada por um repetido treinamento antes do sono.

*Sara Mednick também chegou a publicar um livro que fez bastante sucesso nos Estados Unidos em 2007 reportando os benefícios da boa e velha “soneca da tarde” para manter uma boa performance cognitiva.

Qual o veredito? O sonho realmente ajuda na aprendizagem?

Como a maioria dos sonhos costumam ocorrer na fase REM do sono, há uma chance de que o sonhar ajude na consolidação da aprendizagem de algumas habilidades. No entanto, não podemos levar em consideração o conteúdo literal do sonho. Por exemplo, no estudo de Fogel (2018) e outros colaboradores, que citei anteriormente, há algumas evidências de que o conteúdo relacionado à aprendizagem somente foi incorporado nos sonhos após 5 a 7 sessões de sono REM, mostrando que podem ser formas de memória residual do dia com associação de memórias mais antigas. No entanto, os pesquisadores também afirmam que o conteúdo do sonho e a forma de associação de suas ideias para uma correlação com a realidade está muito mais ligado à capacidade cognitiva individual de raciocínio, de resolução de problemas e do uso da lógica. Outro ponto importante que foi constatado é que indivíduos com capacidades verbais acima da média parecem ter mais facilidade para incorporar certos conteúdos dos sonhos para a sua aprendizagem. Porém, segundo esse estudo, o sonho parece não estar necessariamente ligado à consolidação da memória, são dois eventos distintos.

Além disso, segundo Pantoja (2009), o psiquiatra Mark Solms da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, fez uma revisão bibliográfica de pesquisas médicas sobre pacientes que haviam deixado de sonhar por conta de uma lesão cerebral, contudo, eles continuaram a apresentar o sono REM. Isso significa que o sono REM não necessariamente ativa os sonhos. Para o psiquiatra, os sonhos são controlados por diferentes partes do cérebro (SOLMS, 2000).

Por isso, de acordo com as pesquisas que citei neste post, o mais importante para um bom aproveitamento de uma sessão de aprendizagem é ter uma boa qualidade de sono. Seja intercalado, como sugere Sara Mednick, ou por sessões de sono profundas conforme mostrado por outras pesquisas.