Como evitar as revistas predatórias?

O post de hoje tem o objetivo de informar sobre essa questão, para evitar que você aceite convites “aparentemente” atraentes para “turbinar” o seu currículo acadêmico.

Publicado em 14/08/2020 por Luzia Kikuchi / Atualizado em 15/03/2022

O post de hoje tem o objetivo de informar sobre essa questão, para evitar que você aceite convites “aparentemente” atraentes para “turbinar” o seu currículo acadêmico.

Bem, primeiro vou explicar o que são essas revistas predatórias. Para isso, vou descrever o seu modus operandi para tentar ilustrar. Obviamente, pode haver alguma leve diferença entre um caso e outro, mas vou relatar a minha experiência.

Essas empresas ou editoras entram em contato ativamente com o autor citando um artigo de congresso ou até mesmo de uma dissertação ou tese recém defendida, e fazem um convite para publicar o seu trabalho em formato de livro ou para ser o capítulo de uma coletânea de outros trabalhos sobre o mesmo tema. A abordagem é bastante convincente, pois elogiam o trabalho, dizem que por ser um material relevante foi previamente “selecionado” pelos editores e por isso te convidam para publicação. Pedem para entrar em contato caso tenha interesse.

Você, inocente, lisonjeado(a) com os elogios (tudo que um aluno de pós-graduação gostaria de receber depois de árduos anos para desenvolver esse trabalho), vê a oportunidade de ter uma publicação (quem não quer ter um livro de sua autoria, não é mesmo?) e resolve responder ao e-mail para saber os passos necessários para a publicação.

Então, o suposto editor diz que “como o seu trabalho já está aprovado” pelo corpo editorial, ele não passará por nenhuma revisão de conteúdo. Informa que por não receber subsídios do governo, devido ao corte de custos, o próprio autor precisa arcar com a despesa de publicação, que gira em torno de 300 a 500 reais. Tal custo inclui apenas a diagramação do livro, sem revisão técnica (gramatical ou ortográfica) e alguns exemplares para divulgação, além do serviço de emissão do DOI* e da indexação do trabalho nos principais buscadores. Esse valor pode até subir um pouco de acordo com o número de exemplares físicos que poderão ser impressos ou para produção de banners de divulgação.

*DOI sigla para Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) é um número único produzido para identificar documentos de origem digital. Ele serve para evitar a utilização ou distribuição indevida do conteúdo desse documento e também para que seja facilmente localizado, caso o documento não esteja mais disponível no local onde foi armazenado inicialmente. Algo muito comum na internet.

Quanto ao número de cópias físicas, varia de editora para editora. Algumas prometem alguns exemplares incluso no pacote, para que o autor possa fazer a divulgação, ou dizem que o livro será disponibilizado na Amazon ou livrarias conhecidas do mercado com encomenda sob demanda (há impressão quando o cliente comprar o livro), mas também incentivam a disponibilização do e-book gratuitamente no site da editora… Eles argumentam que é para incentivar a divulgação e que os materiais que estão disponíveis gratuitamente são apenas aqueles que foram custeados com dinheiro público. Porém, isso não é totalmente verdade, pois quando questionados sobre alguns autores também estarem disponibilizando gratuitamente o mesmo material das livrarias, dizem que é por opção do autor, para fins de divulgação.

E por que ela passa a ser considerada como uma possível revista predatória? Porque a principal fonte de renda dessas editoras é a taxa cobrada dos autores para diagramar o trabalho e não há nenhum trabalho de validação científica. É praticamente um “drive-thru”: aceite o convite, pague a taxa e estará publicado.

O maior problema disso não é o serviço em si prestado. Não tem nenhum problema se você, autor ou autora, ciente de que está lidando com um serviço de editoração, optar por transformar seu trabalho acadêmico em um livro. Conheço muitas pessoas que fazem isso. Mas, nesse caso, o contrato já está acordado para tal. O problema dessas supostas “editoras” é que elas prometem mais do que realmente podem cumprir. Convencem um autor a publicar afirmando que são revistas ou livros classificados no estrato Qualis, que são indexadas nos buscadores de periódicos de relevância e que publicar o seu trabalho com elas é a garantia de ter o seu trabalho divulgado e reconhecido por mais pessoas.

E para quem está na área acadêmica, sabe o quanto uma publicação é valiosa para conquistar a vaga em um concurso público numa universidade, ou até mesmo para progressão, se já ocupa uma vaga numa instituição. E para ter mais chances de reconhecimento, nada melhor do que ter o seu trabalho divulgado e citado por mais pessoas.

Então, ludibriado de que se trata de uma revista com rigores metodológicos científicos sérios, publica o seu trabalho, que pode até ser relevante, mas, por estar publicado em um periódico que não atende as normas mínimas de rigor científico, acabará perdendo credibilidade. Já pensou em perder todo o seu trabalho científico por conta disso? O problema que, uma vez publicado, você não poderá publicar o mesmo texto em outro periódico. E é por isso que precisamos ficar atentos a isso.

E como fazer para não cair em uma “cilada” dessas? Vou citar as principais:

  1. Não aceite convites para publicação de um trabalho já publicado

Antes de tudo, preciso esclarecer que quando você publica um trabalho em um congresso ou evento similar, ele fica disponível nos anais desse evento. Tecnicamente, o evento detém o direito autoral de publicação do seu trabalho, possuindo inclusive um ISSN próprio. Então, no mínimo, é estranho quando chega um convite de uma pessoa, que você nunca viu na sua vida, por e-mail, dizendo para publicar esse mesmo trabalho sem fazer nenhuma alteração relevante em seu conteúdo. Desconfie. Nenhuma revista científica séria pede esse tipo de conduta. 

A única exceção em relação ao convite é quando um editor te convida a publicar o trabalho sobre alguma temática específica. Mas, nesse caso, eles pedem que seja enviado um texto original e não a republicação do mesmo trabalho já apresentado em algum evento. E ainda assim, o seu trabalho passará por uma revisão editorial. A não ser que você já seja alguém muito renomado na área, o que eu acho pouco provável para quem está lendo sobre este assunto. Além disso, eles não farão o convite para você ter que pagar para publicar, não acha?

Já no caso de dissertações e teses, tecnicamente, você pode torná-lo um livro se você quiser. Mas, aqui, merece um novo cuidado que menciono na dica 2.

  1. Tenha clareza do tipo de contrato que você estabelecerá com a editora

Se um dia você receber um convite para transformar a sua dissertação ou tese em um livro, primeiro verifique as credenciais dessa editora. Quanto tempo ela tem no mercado, qual tipo de publicação ela costuma fazer, quem é a sua equipe editorial, entre outras.

E o mais importante é o contrato que estabelecerá com ela: se você terá que bancar com os custos de diagramação, se existe um revisor de texto, como funcionará a cessão de direitos autorais, como será a divulgação do material (se será gratuito ou pago) e como será o contrato da porcentagem que receberá pelas vendas, quando houver. Lembre-se que, se não houver vendas, provavelmente, você não receberá nenhuma comissão. Então avalie se isso realmente vale a pena.

E para verificar a credibilidade da equipe editorial, passamos para a próxima dica.

  1. Verifique a comissão editorial dessa revista

Antes de tudo, desconfie de revistas que não têm a relação da equipe científica que avalia os trabalhos. Mesmo quando eles indicam o corpo científico, algumas ainda usam indevidamente o nome desses acadêmicos. Portanto, na dúvida, pegue alguns nomes e tente acessar o currículo Lattes desses pesquisadores para verificar se eles indicam que fazem parte dessa revista na sessão “Membro de corpo editorial”.

Participar como revisor ou editor de um periódico é algo relevante para o currículo. Por isso, na maioria dos casos, se a revista for legítima, os pesquisadores mencionarão que fazem parte dela. A não ser que seja um pesquisador com uma carreira muito consolidada (leia-se muito famoso) ou que pouco atualiza o Lattes. Esta última possibilidade é mais compatível com pesquisadores sêniores que não são muito adeptos das tecnologias. Mas, normalmente, para quem continua ativo na universidade, é muito difícil não atualizar o Lattes. Então observe quanto tempo essa pessoa atua na área e o que vem fazendo nos últimos anos.

  1. Verifique se essa revista já não foi citada numa dessas listas

Esta dica vale principalmente para os periódicos internacionais, pois não existe ainda uma suposta lista com possíveis revistas predatórias brasileiras.

E, para isso, existem dois sites que podem ser consultados: o Beall’s List** ou Preda Qualis. Este último foi desenvolvido em parceria entre a USP, UNESP e UFABC, baseando-se na Beall’s List, que filtrou algumas revistas citadas como possíveis predatórias, mas que constava na DOAJ. O DOAJ normalmente verifica as credenciais dos periódicos antes de indexar em seu acervo, portanto, é mais uma forma de verificar a credibilidade da publicação.

O Beall’s list, apesar de ter sido uma iniciativa muito importante para os pesquisadores, ainda enfrenta muitas controvérsias em relação à metodologia adotada pelo seu criador Jeffrey Beall, professor e bibliotecário da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, para classificá-las como possíveis revistas predatórias. Por isso, alguns dizem para que essa lista seja usada com certa cautela.

**Essa informação sobre o site Beall’s List foi obtida através do perfil do instagram *@the_science_etal administrado pela Vanessa de Oliveira e pelo Sebastião Silva Júnior, ambos doutores na área de Ciências Biomédicas. O instagram deles têm diversas dicas relacionadas a área acadêmica de especialização dos autores e também para quem pretende fazer pós-graduação no exterior.

*Atualização em 15/03/2022: O perfil do instagram supramencionado mudou para @phdnoexterior.

E, por último, é usar o famoso provérbio: “Quando a esmola é demais, o santo desconfia”. Publicar um artigo científico em uma revista séria, que tenha relevância científica não é tão rápida e simples. A revisão por pares garante a idoneidade e seriedade da pesquisa que foi feita e isso leva tempo. Além disso, revistas prestigiadas costumam receber muitas propostas para publicação, o que também explica o processo não ser tão imediato. Se uma editora não esclarece esses passos ou simplifica muito o seu processo de publicação, desconfie.

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