Como memorizar usando o palácio da memória – ela é realmente eficaz para o aprendizado?

Publicado em 02/10/2020 por Luzia Kikuchi

Quem já assistiu o seriado Sherlock já deve ter visto as icônicas formas que o famoso detetive usa para reconstruir as suas lembranças da cena de um crime. E esse método é chamado de palácio da memória.

Embora Sherlock Holmes seja um personagem fictício criado por Arthur Conan Doyle, o método realmente existe e se trata de uma técnica utilizada na Grécia Antiga* chamada Método de Loci ou técnica da mnemônica.

*Para consultar mais informações sobre o assunto, procure o livro do historiador Frances A. Yates “The art of memory” (A arte da memória) cujo original data de 1966 pela Routledge, mas foi reimpresso por outras editoras posteriormente.

Mesmo não conhecendo a palavra “mnemônica”, talvez, pela descrição da técnica, você já deve ter utilizado em algum momento de sua vida, pois ela consiste em criar ou associar imagens para memorizar certas informações. No livro de Frances Yates (1966), é explicado que os gregos utilizavam com bastante frequência tal recurso para contar histórias. Isto é, ao contar uma história, você cria imagens e cenários dentro de sua mente, organizando-os de uma forma lógica as informações mais importantes para poder lembrar e recontar a outra pessoa.

E essa técnica parece ser bastante eficiente para aprender o vocabulário de um novo idioma ou até mesmo para compreender informações de um texto.

E como funciona na prática?

Além das imagens, você pode também criar associações de palavras-chave. Por exemplo, imagine que você tenha que memorizar algumas expressões em Espanhol, sendo um falante nativo do idioma Português. Darei dois exemplos: “sacapuntas” (apontador) e paraguas (guarda-chuva).

Veja como associar essas duas palavras:

– A função do apontador é sacar (tirar) a ponta velha do lápis;

– O guarda-chuva “para a água” que cai do céu em cima da sua cabeça.

Porém, existem outras palavras que já não são tão simples de fazer tais associações. Veja como exemplo “tenedor” (garfo) e “cuchillo” (faca). Para esses dois casos, exige-se um pouco mais de criatividade.

A forma como criei o meu palácio da memória para esses dois objetos foi o seguinte:

– Quando penso em garfo, vem o formato de um tridente em minha mente. Depois, o tridente me lembra o objeto carregado pela imagem do diabo. Normalmente, quando você vê a imagem do diabo, relaciona-se com medo ou temor*. Finalmente, aquele objeto carregado por alguém que me causa temor é tenedor.

* Obviamente, temor também tem outro sentido de profundo respeito e obediência, que é exatamente ao contrário. Por isso, é necessário criar o sentido que seja mais imediato para a sua mente.

– Já no caso da faca, por alguma razão, “cuchillo” me lembra “cutícula”, que é igualmente um objeto cortante para cortar unhas. E, na minha mente, ao lembrar de faca, normalmente faço o gesto de cortar um objeto segurando-o na mão (por exemplo, um pão), e cutícula usa-se na mão, dessa forma lembro-me que é faca.

Veja que essas associações funcionam como “gatilhos” mentais para lembrar-se das palavras-chave. Mas, elas só fazem sentido no contexto de minhas memórias. Talvez, se você repetir o mesmo repertório, não vai funcionar tão bem quanto para mim.

E é aí que está o pequeno problema no uso de mnemônicos: quando se faz uma associação direta como nos dois primeiros exemplos dados (apontador e guarda-chuva), eles parecem ser suficientemente eficazes para outras pessoas repetirem e dificilmente você esquecerá da associação também. Já no caso de “garfo” e “faca” o caminho percorrido para chegar nessa imagem é um pouco mais longo. Dessa forma, além de ser difícil de ser replicado por outra pessoa que vive num contexto diferente do meu, também há uma chance de eu também esquecer o caminho para resgatar essas associações.

E essas constatações foram demonstradas por diversos estudos de mnemônica relatados no artigo de 2013 de John Dunlosky e outros, que já citei em posts anteriores. Como o artigo é bastante extenso, o próprio autor informa que você pode pular diretamente no item de seu interesse que não haverá comprometimento para entender o estudo. A seção correspondente a mnemônica está no item 5 “Keyword mnemonic”. Nessa seção, há um gráfico comparativo demonstrando que a técnica de criar a palavra-chave mnemônica demonstrando que ela não é a mais eficaz para retenção de informações a longo prazo. Por outro lado, o uso da repetição teria sido muito mais eficaz para memorização das palavras. O que faz um certo sentido quando pensamos no contexto de idiomas.

Existe também outro estudo feito em 2012 pelos pesquisadores Eric Legge e outros, da Universidade de Alberta, que compararam a eficácia da memorização de palavras novas utilizando um “palácio da memória virtual”, por meio de um software que auxilia na criação de cenários. Da mesma forma como constatado no estudo de Dunlosky, o estudo trouxe que os participantes tiveram dificuldades para reter os dados na mesma ordem e até se atrapalharam em associar as respectivas imagens criadas no “palácio da memória virtual” com as palavras que deveriam memorizar.

Qual o veredito?

Se você está na dúvida se a técnica mnemônica ou palácio da memória é realmente eficaz para memorizar informações, a resposta de acordo com esses estudos é que ela depende da intensidade e frequência que você utilizará esse método. É semelhante à eficácia dos mapas mentais, que expliquei em posts anteriores. Ou seja, se você treinar o seu cérebro apoiando-se nessa técnica, provavelmente, terá um benefício a longo prazo de melhorar a retenção de informações de sua memória. Porém, de nada adianta usar essa técnica pontualmente e não a exercitar continuamente. Isso demonstra que, para um aprendizado de longo prazo, é preciso reforçar o processo apoiando-se em diversas técnicas de estudo para ajudar na retenção das informações a longo prazo. Para ter uma ideia de quais técnicas de estudo existem, você pode consultar este artigo de 2006 de Martin Eppler.

Então, se você quiser ter uma memória extraordinária que nem a do Sherlock Holmes, o jeito é começar praticando! rs

Veja também o vídeo no qual expliquei os exemplos dos mnemônicos com esquemas gráficos.