Primeiro ano do projeto “Como Aprender?” e respondendo às perguntas do Quora

Publicado em 16/04/2021 por Luzia Kikuchi

No último dia 10 de abril, este projeto completou 1 ano de existência! Agradeço a todo mundo que acompanha e apoia este projeto tanto por aqui quanto pelas redes sociais.

E uma das plataformas onde este projeto está presente é na Quora onde conta com mais de 7.300 seguidores atualmente e com aproximadamente 150.000 visualizações de posts.

O que é o Quora?

Para quem não conhece a Quora, ela é uma rede social onde os usuários criam perguntas sobre qualquer assunto e as encaminham para pessoas que sejam possivelmente capacitadas para respondê-las. Sejam especialistas, sejam as que tenham alguma vivência, etc. É uma plataforma dedicada ao compartilhamento de conhecimento de diversos assuntos e de diversas formas.

Lá no espaço do Quora, tento levar alguns de meus posts publicados aqui no blog para ajudar a responder as perguntas que recebo por lá. Porém, são tantas perguntas e, muitas vezes, repetidas, que não dou conta de dar um retorno para todas. Também faço a triagem de algumas respostas, de outros usuários, relacionadas ao ensino e a aprendizagem, e compartilho-as no meu espaço. 

Tirando as perguntas legítimas, com pedido de ajuda, algumas são curiosas e até engraçadas. Por isso, como vídeo comemorativo de um ano deste projeto, resolvi responder algumas delas, em um formato bem-humorado, que você pode conferir neste link (Ele estará disponível a partir das 21h).

E, nesse vídeo, também respondi às perguntas mais encaminhadas no Quora e também as que recebo frequentemente por mensagem diretas nas redes sociais. 

Dessa forma, se você veio para este post pelo vídeo, vou citar as perguntas correspondentes citadas nele, para ficar mais fácil de localizar os respectivos detalhes:

Pergunta 1: Como dar conta de revisar todos os conteúdos do vestibular já estudados? Qual seria um bom método? 

Nesta pergunta, citei os estudos de Taylor e Rohler (2010) que mostram a eficácia de intercalar atividades práticas durante o aprendizado de um novo conteúdo matemático. Esse material pode ser encontrado no post “Como organizar os estudos?”

Nesse mesmo post, também falo sobre a “Falácia do Planejamento”, termo cunhado pelo psicólogo Daniel Kahneman no livro “Rápido e Devagar: duas formas de pensar”, que comento na pergunta 2 “Já tentei várias vezes fazer uma rotina de estudo, mas acabo deixando ela de lado sem nem perceber. Como montar e manter uma boa rotina de estudos?”

Pergunta 13, “A pessoa que possui o curso de licenciatura em matemática só pode dar aulas ou existe outras profissões que também requer o curso?”

No vídeo fiz uma observação de que algumas vagas de emprego não requerem necessariamente um curso superior específico na área.

Para exemplificar isso, podemos usar exemplos de alguns concursos públicos mais procurados:

INSS – analista do Seguro Social com formação em qualquer áreadiploma de conclusão de curso de nível superior de graduação em qualquer área de
formação.

PF – Agente de Polícia Federal: diploma, devidamente registrado, de conclusão de curso superior em nível de graduação, fornecido por instituição de ensino superior reconhecida pelo MEC.

Outro exemplo de vaga na iniciativa privada que eu consultei no site vagas.com.br

* como as oportunidades podem mudar conforme a disponibilidade, acessem diretamente pelo link e filtrem por áreas, que fica no canto inferior esquerdo.

Analista pleno de produto: formação em Administração, Economia, Marketing, Engenharias, Tecnologia e afins.

Inclusive, em algumas empresas, formação na área de Jornalismo também é aceita para esse mesmo cargo de analista de produto. Eu mesma já trabalhei para esse mesmo cargo em uma empresa de Tecnologia em Educação, mesmo a minha formação sendo em Licenciatura em Matemática.

Em nenhum momento, os entrevistadores – que eram os próprios diretores da empresa – fez distinção se o meu diploma era de Licenciada ou de Bacharel, por exemplo. Apenas perguntaram sobre a minha experiência prévia na área e fui contratada em período experimental. Foi durante esse tempo que consegui demonstrar a minha competência para o cargo e fui contratada, para uma posição permanente, seis meses depois.

Já em um post anterior, falei sobre o artigo 62 na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e sobre a Medida Provisória nº 746 (22 de setembro de 2016), que se transformou em Lei Ordinária nº 13.415 (16 de fevereiro de 2017).

Essa Lei Ordinária nº 13.415 (16 de fevereiro de 2017) refere-se sobre aquela “polêmica” de que os cursos de licenciatura deixariam de ser obrigatórios para lecionar nas escolas. Mas, na verdade, essa lei flexibilizou justamente a implementação do novo currículo do Ensino Médio e, principalmente, dos cursos técnicos.

Agora, o curso de licenciatura pode ser exigido para outros cargos além de lecionar na escola básica? Sim. E, normalmente, são em carreiras relacionadas à área de Educação. No último processo seletivo da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), por exemplo, as seguintes vagas exigiam a formação de licenciatura:

– Supervisor de Curso;

– Supervisor de Conteúdo.

Também há casos de concursos para professor de Ensino Superior que também exigem formações específicas de Licenciatura ou pós-graduação na área de Educação ou Ensino, dependendo da característica da vaga.

Então, respondendo à pergunta, o licenciado PODE dar aula e TAMBÉM PODE trabalhar em outras áreas, se quiser.

E a última pergunta: “Uma pessoa que se especializa em práticas pseudocientíficas pode se considerar um doutor?”.

No vídeo comentei que há duas possíveis interpretações para essa pergunta: uma que se refere ao médico e outra ou ao título acadêmico.

Em relação ao uso do termo “doutor”, também mencionei que, no Brasil, existe um certo uso equivocado dessa expressão para certas profissões.

Um desses equívocos seria o uso deste termo para os profissionais das áreas de saúde, que não exercem a profissão de médicos ou médicas. Também igualmente me refiro a advogados que, apesar de não terem grau acadêmico de doutor, tradicionalmente são chamados de doutores. Neste último caso, parece ainda que remonta a uma tradição que veio do decreto assinado por Dom Pedro I em 1827. Mas, tem caído em desuso nos dias mais atuais.

Atualmente, a regra que vale parece ser a do dicionário. Embora, no caso do dicionário Houaiss, ainda se faça menção a esta definição (embora esteja marcado “por extensão” aos cargos de juízes e delegados), mas não se faz a menção para aqueles que são apenas bacharéis em Direito.

8 p.ext. título que, por disposição legal, compete aos magistrados judiciários (juízes e delegados)

Fonte: Dicionário Houaiss Online

E de onde vem essa tradição de chamar de “doutor” aqui no Brasil?

Segundo a pesquisadora e historiadora Tania Bessone, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), aqui no Brasil, a partir do século XIX, exigiam-se dos futuros médicos a defesa de uma tese ao final do curso de Medicina, seguindo a tradição de outros países da época. Portanto, podemos dizer, de certa forma, que os médicos da época também faziam jus ao título acadêmico de doutor.

Já a origem do título acadêmico, remonta no século XI, quando foi formalizado pelas primeiras universidades criadas na Europa. No fim de seus estudos, os estudantes defendiam uma tese pública e passavam a ser considerados como aptos para ensinar. Isso mesmo! Para ensinar, exigia-se o título de doutor. Isso, provavelmente, é explicado ao contexto da época, pois o ensino era exclusivo para uma classe privilegiada da população que tinha acesso às universidades. Não existia ainda o ensino democrático universal como nos dias de hoje.

Já no site pós-graduando existe um post escrito pela Teresa Nunes no qual é levantada a hipótese de que há uma questão cultural, do Brasil colônia, pela qual chamamos os médicos e advogados de doutores: somente pessoas muito ricas tinham o privilégio de estudar na Europa, quando não existiam universidades ainda no Brasil. E, por extensão, ficou o costume popular de chamar pessoas com condições financeiras privilegiadas de doutores. Mesmo que não tenham nenhum tipo de titulação acadêmica ou sequer sejam médicos ou doutores.

Uma questão importante que é levantada por esse post do site pós-graduando é que, no fim das contas, a grande parte da população não sabe exatamente o que faz uma pessoa com título acadêmico de doutor. Em teoria, são formados para serem pesquisadores/cientistas. Mas, quantas pessoas da população sabem o que um cientista faz? Dessa forma, ficar contestando a utilização do termo “doutor”, somente para quem tem doutorado, não deixa de ser o mesmo tipo de vaidade de médicos e advogados que fazem questão de utilizar o termo ainda nos dias de hoje.

E o uso da palavra “doctor” no inglês?

No vídeo, eu comento sobre o uso da palavra “doctor” na língua inglesa e que também pode ser entendida, por extensão, ao uso da palavra doutor para denominar médicos.

Segundo a médica ginecologista e obstetra, Melania Amorim, ela afirma que, no caso dos Estados Unidos, o sistema de ensino é diferente. Por lá, o estudante realiza uma formação de ensino superior generalista, conhecida como college, e depois se especializa em uma área. No caso dos médicos, ao se formar, recebem o título de Medical Doctor, tratando-se de um grau acadêmico específico para médicos e usa-se o termo abreviado M.D. (Lembra do seriado House M.D.?)

Mas, mesmo no inglês, existe outro termo menos comum para se referir a médicos que é physician. Este sim, seria o termo equivalente ao médico, na língua portuguesa, ou o graduado em Medicina.

Então existe ou não doutor em pseudociência?

Bom, depois de esclarecer um pouco sobre o uso da palavra “doutor”, para se referir aos médicos e a origem do título acadêmico, agora entro na discussão filosófica sobre o que é ciência e o que é uma pseudociência. No vídeo explico a conclusão de tudo isso. Aqui dou apenas as explicações que omiti no vídeo.

Para se fazer ciência, é necessário utilizar um bom método científico, com o intuito de responder a uma pergunta inicial, bem definida, com formulação de hipóteses correlatas para encontrar uma resposta que, possivelmente, explica a pergunta inicial. Esses resultados obtidos não podem ser tomados como conclusões para casos em que não estão contemplados na pesquisa. Quando fazemos isso, estamos praticando uma pseudociência.

Para o filósofo argentino Mario Bunge, que faleceu aos 100 anos de idade no início de 2020, pseudociência é uma doutrina ou prática sem fundamento científico, mas que é vendida como ciência. Para o filósofo, na ciência, acredita-se somente naquilo que pode ser provado de modo conclusivo ou plausível, ou que implica proposições verdadeiras.

Bunge sempre foi muito crítico a alguns teóricos, muito lidos no mundo inclusive, e sempre tentou definir proposições muito claras para caracterizar a ciência e pseudociência. Como exemplo, você pode assistir este trecho de uma entrevista no qual ele critica as ideias de teóricos como Nietzsche, Foucault e Bruno Latour.

Além desses teóricos, Bunge também é bastante crítico do marxismo. Neste artigo é possível entender esses contrapontos das ideias de Bunge e, em quais aspectos, o filósofo argentino pode ter se equivocado.

Embora Bunge tenha sido um crítico ferrenho* de diversas teorias amplamente conhecidas pelo mundo, como um bom filósofo e cientista, sempre se mostrou aberto a participar de debates e discussões intelectuais. Isso é notável em muitas das palestras e entrevistas disponíveis no YouTube. Cito duas delas que acho interessante:

*Ferrenho: que se caracteriza pela austeridade; implacável, severo.

Fonte: Dicionário Michaelis Online

Transcrevo também um trecho do post da Revista Questão de Ciência, onde Bunge dá algumas recomendações para o estudante que queira iniciar a sua carreira em filosofia:

“Recomendo-lhe que dê prioridade aos problemas, não aos autores; que, para tratar de problemas filosóficos, se informe sobre o que podem contribuir a matemática e as ciências da realidade; e que escreva ensaios e os discuta com companheiros de estudo e com amigos. O pensador solitário perde a capacidade de comunicar-se e acaba louco como Husserl, o inventor da fenomenologia ou egologia.” (Fonte: Mario Bunge, 100 anos: um filósofo contra a pseudociência).

Se você quiser saber mais sobre a vida e um pouco do trabalho desenvolvido por Mario Bunge, recomendo a leitura desse post, no site da Revista Questão de Ciência, que é produzida pelo Instituto Questão da Ciência, presidida pela Natalia Pasternak (talvez você já tenha a visto em entrevistas para esclarecer alguns assuntos envolvendo a atual pandemia).

Eu também falo um pouco mais sobre as ideias de Mario Bunge no post que explico as diferenças entre opinião, fé e ciência. 

E, por fim, se você quiser ler mais a respeito da epistemologia de Mario Bunge, aplicado ao ensino de Ciências, existe este artigo escrito por Cupani e Pietrocola (2002) para o Caderno Brasileiro de Ensino de Física.

Caso você tenha sugestões, críticas ou queira complementar as ideias apresentadas neste post, deixe aqui nos comentários!