Erros em matemática que ajudam na aprendizagem

Por que você não deve apagar os erros que comete? Venha entender um pouco mais sobre a importância de manter o registro dos erros na sua aprendizagem.

Publicado em 21/10/2022 por Luzia Kikuchi

Ninguém gosta de errar. Muito menos de deixar “provas” do seu erro. Por isso, a nossa tendência é apagar e esconder tudo o que erramos e deixar apenas os acertos. Mas, se apagamos os registros de nossos erros, como lembraremos que houve ali um “deslize” de raciocínio? Como podemos nos recordar que aquele caminho não nos leva à resposta mais adequada?

Antes de entrar na faculdade, ninguém havia chamado a atenção sobre a importância de mantermos os nossos erros registrados. Até que, quando estava no segundo ano da faculdade de Matemática, no Instituto de Matemática e Estatística da USP, um professor deu a seguinte orientação:

“Não apague os seus erros de cálculo! Vocês não estão mais no Ensino Fundamental. Eu imagino que vocês não precisem mostrar mais os seus cadernos para suas mães”.

Naquela época, eu não havia compreendido o recado desse professor. Confesso que me soou até como um certo “deboche”, já que minha mãe era exatamente esse tipo de mãe que ficava conferindo meus cadernos e que mandava passar o caderno a limpo, caso considerasse que havia muitas rasuras rs. Mas, só depois de muito tempo (aproximadamente uns 10 anos) compreendi a valiosa orientação que estava sendo passada para a nossa aprendizagem.

A crítica do professor era válida. Já que, dentro do processo de escolarização, muitas vezes, supervaloriza-se os acertos e condenam-se os erros. Não se entende que “errar faz parte do aprendizado”; um percurso necessário para encontrar a resposta correta. Dessa forma, preza-se pelo caderno “impecável”, sem erros, mas, que esconde todo processo de idas e vindas de um estudante. E isso é muito prejudicial para o aprendizado.

Não me entendam errado: quando eu digo que não se deve prezar pelo caderno “bonito”, não quero dizer que o zelo e o capricho devem ser deixados de lado. Na verdade, eles devem andar juntos com os registros que você errou e mantê-los como um histórico de sua aprendizagem. E você vai entender melhor sobre esse aspecto, neste post aqui.

No vídeo, que vai ao ar a partir das 21h, dou alguns exemplos de como manter o registro dos seus cadernos organizados e sem apagar os erros.

A análise de erros na Educação Matemática

Entendendo o erro como parte do processo de ensino-aprendizagem, e tomando-o como um objeto de estudo, uma área de pesquisa denominada “Análise de Erros” tem o objetivo de observar e encontrar padrões que possam trazer inúmeras informações importantes para os professores que têm interesse em melhorar a sua prática de ensino.

A primeira vez que tive contato com essa área foi por meio do livro de Jean Pierre Astolfi chamado L’erreur, un outil pour enseigner” (O erro como uma ferramenta para o professor, tradução livre) que foi indicado pelo meu orientador da pós-graduação em 2009.

Neste livro, Astolfi discute e propõe, sob a perspectiva do ensino de Ciências (já que ele é biólogo de formação), a análise dos erros dos alunos para classificá-los em diferentes tipos. E, de acordo com o diagnóstico, sugerir uma proposta de intervenção para que o estudante possa superar tais erros. Embora a proposta não tenha sido elaborada especificamente para a área de ensino de Matemática, muitos desses diagnósticos são possíveis de serem transpostos para as dificuldades em Matemática, por exemplo.

Em minha tese de doutorado, traduzi o quadro que está disponível na página 96 do livro de Astolfi, do francês para o português, conforme a seguir:

Retirado de: KIKUCHI, 2019, p. 48.

Referência completa:

KIKUCHI, Luzia Maya. A Teoria dos Campos Conceituais e a análise dos invariantes operatórios no conteúdo de álgebra. 2019. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. doi:10.11606/T.48.2019.tde-23102020-164025. Acesso em: 2022-10-09.

Já em 2010, encontrei à venda, durante um congresso que participei naquele ano, o livro de Helena Noronha Cury intitulado “Análise de erros: o que podemos aprender com o erro dos alunos”, que discute especificamente sobre o Ensino de Matemática. O título foi publicado pela primeira vez em 2008 e traz valiosas contribuições e discussões das quais me baseei para escrever a minha tese de doutoramento.

Embora o livro de Astolfi já tenha trazido muitas dessas discussões nove anos antes da publicação de Cury, infelizmente, pelo fato do primeiro estar disponível apenas no idioma francês, acaba restringindo-se o acesso apenas às pessoas que tem conhecimento da literatura francófona. Por isso, acredito que, pelo menos no Brasil, a Helena Cury acaba sendo uma das autoras mais citadas quando se trata de Análise de Erros em Matemática. Embora já existam outros autores que também realizam pesquisas na mesma área.

Inclusive, na área de Ciências Humanas, existe uma teoria proposta por Saturnino de La Torre chamada “Modelo de Análise Didática dos Erros”, que é apresentada no livro “Aprender com os erros: o erro como estratégia de mudança”, publicada em 2007. Ao que tudo indica, essa área de pesquisa passou a ser bastante discutida no Brasil em meados do ano 2005 a 2010. Nesse livro, De La Torre apresenta um esquema representado por um cubo no qual cada face apresenta uma dimensão do diagnóstico e suas várias camadas de análise dos tipos de erros. Uma proposta bastante similar a de Astolfi.

Para mim, enquanto professora e pesquisadora, vejo a análise de erros como uma ferramenta bastante profícua para elaborar propostas didáticas de diferentes níveis e complexidades. Desde que eu passei a compreender essa relevância, tenho  me esforçado a incentivar os meus estudantes do ensino básico a não terem vergonha de mostrar os seus equívocos. E, nas minhas aulas para os alunos do curso de Licenciatura em Matemática, tenho feito discussões sobre os erros comuns de estudantes do ensino básico e até mesmo do ensino superior, ensinando-os a analisar sob um olhar livre de julgamento. Sem esse trabalho durante a formação da nova geração de professores, será muito difícil mudar a prática de ensino dentro da escola básica.

Por isso, hoje eu não olho mais para o erro como algo que “condena”, mas, como uma informação muito valiosa que não pode ser omitida. Mas, compreender aquela orientação do professor de Estatística da faculdade levou aproximadamente 10 anos porque entender com propriedade essa área de pesquisa levou em torno de seis anos (de 2009 a 2015), mais precisamente quando iniciei a minha tese de doutoramento.

E pensar que eu poderia ter compreendido isso 10 anos antes, enquanto ainda era estudante, teria me custado muito menos tempo de estudo. E é por isso que divido com você, professor ou estudante, a importância de manter os seus erros registrados no caderno. Lembre-se que o erro é só um estado temporário que pode ser corrigido, se for orientado adequadamente. Mas, para que possamos olhar para os nossos erros com “maturidade” é necessário compreender que o processo de ensino-aprendizagem não tem um caminho único. Sem essa compreensão, continuaremos formando pessoas que apenas fingem que aprendem e os professores acreditam que estão ensinando.

Espero que, depois de ler este post, você economize os seus gastos com corretivo e borracha 😅

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