Publicado em 27/05/2022 por Luzia Kikuchi
Há 2 anos, escrevi um post que conta um pouco sobre a origem da Educação a Distância no contexto brasileiro e também escrevi algumas maneiras de aproveitar melhor as aulas no formato online. Naquela época, levei em consideração que muitos professores e estudantes estavam se adaptando a esse formato de ensino, imposto pelo contexto da pandemia mundial, e que muitos, talvez, não se sentiam suficientemente familiarizados com o uso das tecnologias no ensino.
Por conta dessa demanda mundial, não só no contexto escolar, mas como no contexto profissional, recursos de áudio e vídeo e sistemas virtuais foram aperfeiçoados numa velocidade nunca vista antes. Sistema de atendimento ao cliente por whatsapp cresce e, inclusive, diversos serviços de assistência de saúde passaram a adotar protocolos que não requer a saída do cliente de casa.
Muitas dessas mudanças foram feitas com o intuito emergencial no contexto pandêmico, mas, algumas, se não muitas, dessas práticas adotadas passaram a incorporar o nosso cotidiano. Por exemplo, fazer reuniões e encontros no formato online já se tornou uma opção conveniente nos casos em que a distância e o custo de deslocamento seja muito oneroso.
Graças à diminuição dos casos mais graves da covid-19, com o avanço da vacinação da população, aulas presenciais puderam ser retomadas com um pouco mais de segurança. Mas, será que professores e estudantes aprenderam alguma coisa nova durante esse período em que foram obrigados a trabalhar no modelo remoto? É isso que eu gostaria de discutir um pouco neste texto.
A tecnologia como um meio e não como um fim
Algo que deve ter ficado muito claro à maioria das pessoas é que não basta existir o recurso tecnológico. A “alfabetização” tecnológica é necessária para apresentar um bom desempenho nas tarefas a serem executadas: seja para quem aprende seja para quem ensina. E tal proficiência não implica apenas no uso competente da tecnologia em si, mas também saber fazer a adaptação de um contexto de ensino para o modelo utilizando recursos tecnológicos.
Na visão do professor, um exemplo disso seria a forma de conduzir a aula síncrona (ao vivo ou quando professor e aluno estão presentes ao mesmo tempo no ambiente virtual). Alguns repetiam exatamente o mesmo modelo presencial, inclusive, com o mesmo tempo do ensino presencial.
Pense no seguinte: quando estamos na sala de aula presencialmente, quantas coisas não relacionadas ao momento da aula podem acontecer naquele ambiente? Entre o tempo dos alunos se acomodarem em suas cadeiras, de arrumar o seu material de aula, até requerer a atenção de todos para começar a discussão ou a apresentação do conteúdo da aula, pode levar algo em torno de 10 a 15 minutos.
Além disso, durante a aula, podem ocorrer interrupções não programadas como algum visitante na porta para solicitar alguma informação, uma imagem inusitada aparece na janela desviando a atenção de todos, entre outras. Por isso, o tempo líquido de aula é menor do que realmente está programado inicialmente. E isso ocorre de forma natural e ninguém questiona essa dinâmica.
Já no modelo remoto, o ambiente pode ser extremamente controlável para interrupções. Por exemplo, dependendo da reunião, o microfone pode estar disponível ou não para todos os participantes. Os comentários podem ser suspensos e abertos apenas em um determinado momento. Talvez o único imprevisto seria a conexão cair e não retomar brevemente. Além disso, por motivos técnicos, até as câmeras podem estar desligadas, quando o público deliberadamente escolhe por não abri-las.
Nessa situação, para o apresentador, fica a incerteza de estar falando com um computador que sequer tem uma pessoa do outro lado da linha. Para o público, a monotonia de olhar para uma apresentação contida apenas de um texto frio ou de um apresentador que sequer sabe a reação do público sobre o que fala.
E é por esses motivos que uma aula no modelo remoto não pode ter a mesma duração que o presencial. É necessário pensar na objetividade do tempo de exposição e tentar valorizar o tempo de interação, se é possível realizá-lo no mesmo momento.
Já, para o estudante, o que ele deveria fazer nessas aulas síncronas? O comportamento é o mesmo esperado para as aulas presenciais: um local adequado para acompanhar a aula, não se distrair com outros afazeres e interagir com o professor e os colegas na oportunidade que houver.
Um erro comum de estudantes que têm acesso ao material digitalizado é não fazer suas próprias anotações. No modelo presencial, parece que a prática de fazer anotações já está mais imbuída. Mas, no modelo remoto, talvez pela praticidade de disponibilização do material, muitos acabam não fazendo anotações durante a exposição do professor.
Mas, para que as anotações sejam de fato produtivas para o aprendizado, é importante que elas sejam feitas de forma menos passiva. Uma forma de fazê-las é usando, por exemplo, o Método Cornell. Isso vale inclusive para as aulas assíncronas (aulas gravadas). Além disso, essas anotações devem ser feitas, preferencialmente à mão, como já mostraram pesquisas que citei neste post.
Por parte do professor, existe também um cuidado na hora de preparar uma aula assíncrona no modelo digital.
As aulas assíncronas e o estudante como centro da aprendizagem
Uma das grandes vantagens das videoaulas é que o estudante tem o poder de controlar o momento de sua aprendizagem: seja escolhendo o horário mais favorável em seu dia, seja repetindo um trecho do vídeo que não tenha ficado muito claro e até mesmo controlar a velocidade do ritmo de fala do apresentador.
E é por isso que, quando preparamos a videoaula, ela deve ser roteirizada de uma forma que a mensagem seja entregue de forma clara e objetiva. Na aula presencial, temos o espaço para divagações e discussões fora do contexto principal daquela aula, mas, numa videoaula, devemos evitar ao máximo esse tipo de comportamento.
O motivo é claro: pelo fato de não ter a interação em tempo real com o estudante, a empatia que ele cria com o professor da videoaula depende muito mais do resultado que aquela informação provoca no estudante. Ele foi útil? Inspirador? Esclarecedor? São essas considerações que o professor deve levar em consideração ao roteirizar uma videoaula.
Além disso, o material de aula que deve acompanhar essas videoaulas devem ser igualmente claras e com instruções objetivas. É importante dar os passos para que o estudante possa encontrar meios de esclarecer suas dúvidas, caso exista, bem como obter sugestões de materiais para prosseguir e avançar.
Idealmente, esperamos que eles já tenham essas habilidades para acompanhar uma aula no modelo de ensino ou educação a distância. Mas, sabemos que nem todos têm a oportunidade de receber essas orientações prévias e, muitas vezes, optar pelo modelo de ensino remoto é a opção viável para que a pessoa possa se qualificar em uma área, especialmente, aqueles que vivem em lugares remotos e não possuem pais ou mães com nível superior.
Por isso, é necessário, sim, muito comprometimento e organização do lado do estudante para que ele possa ter um bom aproveitamento no modelo de ensino remoto. Mas, para quem prepara o material para esse modelo, também é necessário aprender a adaptar e contextualizar a linguagem daquele conteúdo, de acordo com o meio de transmissão. Nesse caso, falamos das tecnologias como vídeo e o uso do computador.
No vídeo, que vai ao ar às 21h, também comentei sobre o fato de que é necessário ter uma visão realista do que se sabe hoje e onde você quer chegar. Com isso, também comentei sobre a adaptabilidade da inteligência da qual vou me basear, principalmente, no que está exposto no capítulo 8 do livro escrito pelo psicólogo Daniel Willingham.
A inteligência não é fixa
Segundo Willingham (2011), no ocidente, a inteligência é vista como uma qualidade imutável; um atributo recebido de seus progenitores e que dificilmente muda com o tempo. Já no oriente, em países como China e no Japão, a inteligência já é vista como algo que pode ser desenvolvido dependendo dos conhecimentos prévios e do esforço individual de cada pessoa.
O autor questiona: qual dessas crenças está correta? A ocidental ou a oriental?
A resposta é que, o fator genético tem alguma influência, contudo, o ambiente pode ser determinante para o desenvolvimento da inteligência.
Isso significa, por exemplo, que a forma como você faz a mediação dos elogios a uma criança pode impactar na maneira como ela enfrenta a dificuldade: se a encara ou foge dela.
A essência trazida por esse capítulo por Daniel Willingham é que, se interpretamos a inteligência apenas como um dom, isso pode desestimular os estudantes que tiverem dificuldades para aprender um determinado assunto. É mais fácil colocar a culpa em uma “destinação divina” do que realizar um esforço para mudá-la.
Já quando elogiamos o esforço, criamos o comportamento de resiliência e a vontade de se tornar mais inteligente. A pessoa é capaz de enfrentar os desafios como uma oportunidade de amadurecimento e progresso. E o fato de resolver tais dificuldades tornam as pessoas aptas a resolverem problemas mais complexos. E é isso que as definem como inteligentes.
A disciplina de matemática é rotulada muitas vezes como um conteúdo somente para pessoas inteligentes. Isso se deve ao fato dessa área trabalhar com o conceito de abstração em um nível mais avançado do que outros saberes. E, como já descrevi neste post, a abstração é uma das últimas habilidades desenvolvidas nos seres humanos. Por isso, competências no pensamento abstrato é uma habilidade escassa em termos gerais dentro de uma população.
Como o nosso cotidiano é envolto de muitos desafios abstratos, essa competência se tornou algo competitivo no mercado. E é por isso que pessoas com mais facilidade nesses tipos de habilidade acabam sendo valorizados.
Mas, só para deixar registrado: eu não acredito nesse conceito de que quem tem facilidade com matemática são pessoas “privilegiadas”. Como eu disse, ela só se destaca porque existem menos pessoas desenvolvendo tais tipos de habilidade. A matemática é apenas uma área do saber que tem suas complexidades assim como outras áreas também tem as suas. O fato de saber matemática avançada e desenvolver teorias, talvez, seja um indicador que você seja uma pessoa inteligente. Mas, saber escrever de forma competente, utilizando jogos de linguagem e criatividade, também é outro sinal de inteligência. Da mesma forma, uma criança que consegue resolver tarefas cotidianas como um adulto, também é inteligente para a sua idade.
Lembre-se: a inteligência é a capacidade de resolver problemas complexos dentro de um contexto.
Por isso, independente do modelo de ensino, para aprender, é necessário mobilizar a sua inteligência. E para fazer isso, é necessário ter os conhecimentos prévios necessários e desenvolver as habilidades com muita prática.
Além disso, como falei no vídeo, é muito importante ter organização e rotina para que tais habilidades possam ser desenvolvidas.
Para quem quiser ler o livro completo, segue a referência:
Título: Por que os alunos não gostam da escola?
Autor: Daniel T. Willingham
Tradutor: Marcos Vinícius Martim da Silva; José Fernando Bitencourt Lomônaco
Editora: Artmed
Crédito da imagem: amazon.com.br
Conte aqui para mim o que é mais difícil de desenvolver na sua rotina de estudos: tempo para estudar ou a disciplina para estudar de forma constante? O que você tem feito para superar essa dificuldade?
Bom dia!!!
Estou fazendo faculdade semi- presencial, eu precisei me adaptar a essa nova era de estudos. O que me falta realmente é tempo. Mas estou tentando criar rotina e constância.
A propósito, gostei muito da matéria.
Atenciosamente
Ana Santana
Olá, Ana Maria!
De fato, é preciso muita disciplina para conseguir manter a rotina de estudos em dia. Principalmente, quando a faculdade não é totalmente presencial. É um desafio, mas, o segredo é começar aos poucos para não se frustrar 😊
Obrigada pelo seu comentário! Espero que goste de outros conteúdos por aqui também. Um abraço! Luzia