Como esquecer menos as coisas que aprendemos? O que é a curva do esquecimento?

Publicado em 29/10/2021 por Luzia Kikuchi

Muitos de nós já tivemos momentos em que nos esquecemos de alguns fatos. Aqueles assuntos menos interessantes aprendidos na escola ou até mesmo o nome daquela pessoa que encontramos apenas uma vez. Infelizmente, nem tudo fica guardado em nossa memória como uma biblioteca infinita ou como um bloco de anotações onde anotamos tudo que acontece em nossa volta.

Vez ou outra, ouvimos falar de pessoas que têm “supermemórias”, como as citadas nesta matéria da BBC, e que lembram de absolutamente tudo que aconteceu em suas vidas, conhecidas como portadores de uma alta memória autobiográfica ou hipertimesia, no vocabulário médico. Mas, será que essas pessoas realmente tem uma capacidade de aprender mais?

Estudos como os de Lawrence Patihis, da Universidade de Southern Mississipi, publicado em 2015 na revista Memory, tentou identificar como os indivíduos portadores de uma alta memória autobiográfica consolidam os fatos em sua memória e se há uma correlação entre sono, capacidade de imaginação e estímulo emocional. O que foi constatado nesse estudo de Patihis é que tais indivíduos parecem ter uma alta capacidade imaginativa para consolidar as informações em sua memória e também não parecem ser capazes de lembrar de muito mais fatos, de forma precisa, que um indivíduo de memória dentro da média da população.

No geral, os sujeitos com “supermemórias” parecem ter uma habilidade acima da média para criar boas mnemônicas para lembrar-se de fatos que aconteceram no passado, desde que elas estejam dentro da sua própria narrativa, como mostra o estudo feito por pesquisadores da Universidade da California em Irvine. Ou seja, pessoas que alegam memorizar olhando apenas uma única vez para uma informação, não parecem estar dizendo necessariamente a verdade. Ou talvez elas mesmas acreditam que aquela memória que construíram seja a verdadeira.

Contudo, o que o estudo feito em Irvine descobriu é que as pessoas com “supermemória” parecem reter as informações por um tempo mais longo que a maioria das pessoas. Isso significa que a curva de esquecimento delas mantém um declínio menor do que a maioria das pessoas, que comumente são representadas na curva de Ebbinghaus.

Ebbin… o quê?

Hermann Ebbinghaus foi um psicólogo alemão do século XIX e um dos pioneiros em estudos experimentais sobre memória. Ele fez um experimento com o qual determinou a quantidade de informação que fica retida na memória, de acordo com o tempo. Com esses dados, conseguiu determinar a curva do esquecimento ou Curva de Ebbinghaus, como foi batizada em sua homenagem.

Crédito da imagem: COSENZA e GUERRA, 2011, p.59.

A partir dessa curva, é possível interpretar que, quanto mais o tempo passa, menos informação fica em nossa memória. O que intuitivamente percebemos no nosso dia a dia. Perceba que em apenas uma hora depois de ter aprendido algo novo, a lembrança dessa informação já cai para algo em torno de 30%.

Por isso, o que as pessoas com “supermemória” apresentam como vantagem é a capacidade de “esquecer mais devagar”. Mas, isso não significa que elas consigam aprender mais rápido que outras.

Então, fica a pergunta: “Devo estudar então a cada 1 hora para lembrar de tudo que eu estudei?”.

Não precisa chegar a esse extremo. Mas, sabendo que o esquecimento é inevitável, o ideal é criar uma rotina de revisão e formas de relembrar o que estamos aprendendo. Para isso, eu já apresentei diversas técnicas em posts anteriores como os flashcards, o método cornell, mapas mentais e conceituais.

Sabendo dessas técnicas, é necessário trabalhar com o conceito de memória operacional ou memória de trabalho (também conhecida como memória de curto prazo, que também já cheguei a falar neste post aqui), ou “memória RAM” de um computador. E, nessa memória ficam as informações que são momentâneas ou aquilo que acabamos de aprender. A partir daqui, é necessário ativar outros sistemas sensoriais do nosso corpo para que essa informação chegue de fato e seja armazenada em nossa memória. E esses sistemas podem ser pela visão, tato, olfato, audição ou paladar.

No vídeo, que estará disponível a partir das 21h, eu dou um exemplo prático de como funciona isso.

Quando falo desses sistemas sensoriais, cuidado para não confundir com a falácia dos estilos preferenciais de aprendizagem, que eu já expliquei neste post aqui. Ativar os sistemas sensoriais nada mais é do que a forma de voltar a nossa atenção de acordo com o tipo de informação que está chegando em nossa memória, como é explicado no livro de Cosenza e Guerra (2011).

Por exemplo, imagine que você esteja andando no shopping center e um vendedor está falando em voz alta para conhecer a nova loja que foi inaugurada. Você pode até ter ouvido aquela informação, mas só se lembrará dela algum tempo depois, se realmente se interessou em conhecê-la. Ou seja, a informação pode ter “entrado por um ouvido e saído pelo outro”, praticamente. Mas, se você parar e perguntar onde fica a loja, já está ativando outros sistemas sensoriais como a visão, a audição mais concentrada, pois você prestará atenção no que o vendedor te informar e, consequentemente, ativará outras lembranças de sua memória para localizar-se no local onde está.

Então, um dos primeiros requisitos para lembrar-se de uma informação é a atenção sensorial. O segundo requisito é a repetição. Ainda usando o exemplo dessa loja de um shopping center, imagine agora que você fez uma única vez o caminho para chegar até o local. Depois de uma semana, tenta chegar a mesma loja, mas se confunde no meio do caminho e pergunta para algum funcionário como localizá-la. Talvez, dependendo do seu senso de localização, você vai criar mecanismos de lembrar-se desse caminho facilmente, mesmo que fique um bom tempo sem visitá-la. Mas, o mais provável é que ela ficará mais nítida na sua memória quanto mais vezes visitar sempre a mesma loja. E se algum referencial que usou para marcá-la mudar de lugar, então, provavelmente, vai se perder novamente. Por isso que é importante não usar referenciais móveis para lembrar desses lugares, por exemplo.

Agora, pensando no contexto de aprendizagem escolar, funciona de forma similar. Além da boa e velha repetição, o ideal é criar mecanismos para memorizar as informações ativando registros que já existem em sua memória. Daí vem o tal do palácio da memória ou mnemônica que também já falei neste post aqui. Basicamente, é o processo de criar informações que façam sentido para você organizada de uma maneira em que possa criar um encadeamento de ideias.

Por exemplo, imagine que tenha que memorizar um número de telefone. Existem pessoas que têm muita facilidade para gravar números de telefone. Mas, provavelmente, elas inconscientemente usam algum padrão que ajudem a memorizar essas informações.

Para mim, a memória vocal e visual ajuda na memorização de um número de telefone: eu repito várias vezes o telefone para mim mesma e memorizo os botões que preciso discar no telefone (embora eu confesse que, ultimamente, não tenho mais usado essa habilidade por conta da agenda eletrônica do celular…).

Assim como é muito mais difícil memorizar uma sequência de letras que não formam uma palavra com significado para o seu vocabulário, se você criar padrões para elas, vai facilitar bastante a sua memória.

Exemplo:

CP FGA RAGE MI CON E

Agora, veja essa reorganização:

CPF GARAGEM ICONE

Ficou muito mais fácil de lembrar, né?

E uma outra coisa importante é que, para você conseguir se lembrar melhor das informações, é imprescindível que o seu cérebro esteja descansado. Por isso, dormir bem é imprescindível, assim como momentos de descanso e lazer, e também que as informações sejam dosadas de forma adequada. Para tarefas rotineiras, uma forma de “aliviar” o seu cérebro de informações é usar agendas e lembretes, tais como o Google Keep, Trello ou Asana, como já comentei em posts anteriores. Quanto menos preocupações recorrentes, mais concentração para os seus estudos.

E por último, não adianta querer “encher o seu cérebro de informações” sem dar o devido tempo para ele processá-lo. E isso é algo individual. Algumas pessoas podem aprender mais rápido e, assim, podem dar uma sequência a um grande volume de informações. Outras já precisam de mais tempo e tentar aprender muitas coisas ao mesmo tempo só trará frustração. Mas, o mais importante é que, para uma aprendizagem a longo prazo, deve-se combinar a repetição, o encadeamento de ideias com algo que já aprendeu e descansar. Adapte para suas condições e crie uma rotina para a sua realidade. E não espere ter “superpoderes de memória” para aprender algo da noite para o dia. Ao que tudo indica, ao menos na ciência que conhecemos hoje sobre a memória, isso ainda não existe.

E você? Qual é a técnica que mais usa para esquecer menos?

Autor: Luzia Kikuchi

Uma entusiasta em neurociência, apaixonada por ensino-aprendizagem e uma eterna aprendiz de professora.

Um comentário em “Como esquecer menos as coisas que aprendemos? O que é a curva do esquecimento?

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